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Por Mirian Luzzi*

Como essa integração pode transformar processos criativos e analíticos e levantar questões que precisam ser abordadas na inovação

Imagem: Shutterstock

 

A combinação de Design Thinking com Inteligência Artificial Generativa (IAG) emerge como uma das mais promissoras fronteiras da inovação contemporânea. Essa união não só potencializa a criatividade humana com o poder de análise das máquinas, como também reconfigura a forma como problemas complexos são abordados em diversos setores. Contudo, enquanto as possibilidades parecem ilimitadas, essa fusão também impõe desafios éticos significativos, que devem ser cuidadosamente considerados para que a inovação não se torne um processo desumanizado ou irresponsável. 

O Design Thinking, cuja origem remonta à década de 1960, representa uma das abordagens mais centrais e influente na resolução criativa de problemas e desafios. Inicialmente delineado por Herbert Simon, essa metodologia distingue-se por se concentrar na criação de novas formas e soluções, diferenciando-se das ciências naturais que tradicionalmente lidam com a descoberta de verdades universais. Ao longo dos anos, essa abordagem foi enriquecida por contribuições teóricas importantes, como as de Donald Schön, que em “The Reflective Practitioner” desafiou a predominância do conhecimento técnico e exaltou a prática reflexiva dos designers. Para Schön, o Design Thinking não é apenas uma disciplina técnica, mas um processo contínuo de aprendizado, em que a arte e a ciência se encontram na busca por soluções para situações problemáticas.

Ao expandir essa perspectiva e tratar o Design Thinking como uma resposta a problemas “perversos” — aqueles que não têm uma solução única e que exigem uma profunda compreensão dos contextos sociais, culturais e econômicos em que estão inseridos, Richard Buchanan nos mostrou o Design Thinking como uma abordagem holística, que se destaca precisamente em situações onde as soluções tradicionais falham. Buchanan argumenta que esses problemas “perversos” não podem ser resolvidos apenas com métodos lineares ou lógicos; eles requerem uma abordagem que combine criatividade, intuição e uma visão sistêmica do problema. Nesse contexto, o Design Thinking permite a construção de soluções inovadoras, que levam em consideração as complexidades e interdependências dos fatores envolvidos, promovendo uma colaboração interdisciplinar e o envolvimento de múltiplos stakeholders. Ao envolver diretamente os usuários no processo de criação, o Design Thinking também ajuda a assegurar que as soluções desenvolvidas sejam mais inclusivas e equitativas, respondendo às necessidades reais das pessoas e às nuances dos ambientes em que elas vivem. Essa abordagem é particularmente valiosa em um mundo cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo (VUCA), no qual as organizações precisam ser ágeis e estarem adaptadas para enfrentar desafios multifacetados e dinâmicos.

O processo de Design Thinking é geralmente descrito em cinco etapas fundamentais. Na primeira fase, a de imersão, há uma compreensão profunda do problema a ser resolvido e do contexto em que ele ocorre. Essa fase é seguida pela definição, quando as informações coletadas são sintetizadas para formular uma declaração clara do problema. Na terceira fase, a de ideação, ocorre a geração de uma ampla gama de ideias criativas para abordar o problema identificado. Na sequência, a prototipagem permite que essas ideias sejam transformadas em modelos tangíveis, que podem ser testados e refinados na fase final, de teste, quando o feedback dos usuários determina o rumo de aprimoramento das soluções.

Com a chegada da Inteligência Artificial Generativa, o Design Thinking entrou em uma nova era. Ferramentas como modelos de linguagem de larga escala (LLMs) oferecem capacidades que complementam perfeitamente as etapas de ideação e prototipagem. A IAG pode processar e analisar grandes volumes de dados em tempo recorde, fornecendo insights valiosos que muitas vezes passam despercebidos pela análise humana tradicional. Além disso, ela pode gerar sugestões criativas e até mesmo protótipos iniciais, elevando tanto a eficiência quanto a qualidade do trabalho realizado em projetos de inovação.

Entretanto, essa integração não é isenta de desafios. A introdução da IAG no Design Thinking levanta questões éticas importantes. Um dos principais riscos é a possibilidade de plágio ou a diminuição da contribuição criativa humana, uma vez que a IA pode começar a desempenhar um protagonismo na geração de ideias. Há também a preocupação de que a dependência excessiva dessas tecnologias possa levar à criação de soluções que, embora eficientes, careçam da sensibilidade e empatia — justamente as marcas registradas do Design Thinking centrado no ser humano.

Assim, é imperativo que as organizações que adotam a IAG em seus processos de Design Thinking implementem diretrizes claras, que ajudem a garantir a integridade ética de suas práticas. Isso inclui garantir que a IA seja usada como uma ferramenta auxiliar, e não como um substituto para a criatividade humana. Também é necessário promover uma cultura de transparência, na qual os usuários e clientes estejam cientes de como a IA é utilizada no desenvolvimento de produtos e serviços.

A aplicação da IAG no Design Thinking é vasto e cheio de possibilidades. Áreas emergentes de investigação incluem o desenvolvimento de algoritmos de IA mais transparentes e explicáveis, que possam ser melhor compreendidos e geridos por seres humanos. Além disso, a personalização dessas ferramentas para diferentes indústrias e contextos específicos promete expandir ainda mais as possibilidades de inovação. A integração do Design Thinking com outras metodologias de inovação, como o Lean Startup e o Agile, ajuda a criar um ecossistema que é  robusto e, ao mesmo tempo, mais flexível e rapidamente adaptável às mudanças do mercado e às novas demandas dos consumidores.

A combinação do Design Thinking com a IAG tem o potencial de transformar radicalmente a maneira como as organizações inovam e resolvem problemas. Instituições acadêmicas, empresas e até mesmo governos podem se beneficiar dessa abordagem, promovendo um diálogo iterativo que combina o poder analítico das tecnologias com a criatividade e empatia humanas. No entanto, para que essa transformação seja bem-sucedida, precisa haver uma orientação clara e rigorosa sobre os riscos éticos associados ao uso dessas ferramentas. Somente assim será possível aproveitar o potencial máximo dessa sinergia, sem comprometer a inovação ou os valores fundamentais que guiam o Design Thinking.

Em suma, a integração entre Design Thinking e IAG representa uma das oportunidades mais excitantes e desafiadoras do cenário atual de inovação. À medida que avançamos para um futuro cada vez mais digital e automatizado, a capacidade de equilibrar o uso da tecnologia com a criatividade e a ética humanas será determinante para o sucesso das organizações. Aqueles que conseguirem navegar por esse novo território com responsabilidade estarão não apenas na vanguarda da inovação, mas também na liderança de um movimento que promete redefinir o que significa inovar no século XXI.

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*Especialista em Planejamento na Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES); Daniela Jacobina é mestre em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente é coordenadora de projetos no Think Tank – Centro de Inteligência de Inovação, Políticas Públicas e Inovação da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES); Lucas Bastianello Scremin é Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC) e doutorando do Programa de Pós-graduação em Engenharia, Gestão e Mídia do Conhecimento (PPEGC/UFSC); e Ricardo Pereira é Professor e pesquisador, idealizador do @‌mentor.I.A. As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, os posicionamentos da Associação.

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