Por Patrícia Araújo de Oliveira*
Com os avanços tecnológicos, o mundo do trabalho já passou por mudanças significativas e é bem provável que continue a mudar rapidamente nos próximos anos. Essas mudanças podem ser vistas em duas perspectivas: a primeira é na perspectiva de quem utiliza a tecnologia como meio e a segunda é na de quem utiliza a tecnologia como fim.
A tecnologia utilizada como meio pode proporcionar facilidades para os trabalhadores, como a automação de processos/tarefas, ferramentas para auxiliar no trabalho remoto (até a própria possibilidade de trabalhar remotamente), e soluções para trabalhadores freelancers ou contratados independentes, que se tornaram alternativas na falta de empregos tradicionais, constituindo novas relações de trabalho, que podem trazer facilidades como a flexibilidade em relação a horários.
Entretanto, a mesma tecnologia que traz facilidades também traz questões que podem ser motivo de preocupação e abrem caminho para importantes discussões. Há quem diga que com a automação muitos empregos serão (ou já estão sendo) substituídos por soluções tecnológicas, principalmente aqueles trabalhos que são repetitivos e passíveis de previsão; que o trabalho remoto (colocado como tendência na pandemia de Covid-19) pode afetar a produtividade e socialização; e que soluções que mudam as relações de trabalho podem levar a uma insegurança financeira e à falta de proteção social.
Por outro lado, há quem diga que o uso cada vez maior da tecnologia no dia a dia, automatizando tarefas, traz novas oportunidades de emprego na área de Tecnologia da Informação (TI); que o trabalho remoto torna a localização dos funcionários menos importante, possibilitando uma maior diversidade e inclusão no local de trabalho, abrindo a possibilidade de contratação de talentos de diferentes lugares do mundo, criando oportunidades até mesmo para quem vive em áreas mais remotas ou de difícil deslocamento; e, por fim, as novas relações de trabalho podem trazer muitos benefícios como liberdade e autonomia, desde que direitos básicos sejam preservados.
Os problemas relacionados ao uso da tecnologia como forma de inovar as formas de prestação de serviço e relações de trabalho nos colocam a refletir sobre os limites de quem tem a tecnologia como fim. As responsabilidades no processo de inovação das propostas de novas soluções tecnológicas abrem a discussão sobre quem está produzindo tecnologia e propondo inovações no mercado de desenvolvimento de software. Sabe-se que a área de TI (ainda) é formada por mão de obra majoritariamente masculina. Diversas iniciativas têm surgido com o objetivo de modificar este cenário, com a inclusão de mulheres, negros e negras, pessoas advindas de diversas classes e regiões do país.
Em 2019, a Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais) apresentou um estudo que faz um alerta sobre a escassez de mão de obra no setor de TI, e uma das saídas apontadas foi justamente o investimento em diversidade na área. Essa diversidade não seria benéfica apenas para superar o gap de vagas ociosas no mercado, mas também para se criar soluções inovadoras que representem e respeitem todos e todas. Para isso, equipes de desenvolvimento diversas em relação à origem socioeconômica, regional, com representação de diversos gêneros, etnias, raças e deficiências são essenciais, para que soluções sejam construídas por pessoas com diferentes vivências, características e origens.
Apenas com políticas efetivas será possível fazer com que essa inserção seja plena e efetiva. Mudar um cenário tão enraizado não se faz do dia para a noite. As barreiras estão desde a base, se arrastam na permanência em cursos de formação e chegam no dia a dia de trabalho desses grupos minoritários dentro das organizações. Mudanças culturais e de postura diante da diversidade são necessárias para que possamos ter uma área tão importante como a TI, que produz soluções para todos e todas, seja também a área de efetiva atuação de todos e todas, sem exceções.
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*Ciência da Computação, Pesquisadora no Think Tank da ABES e Professora na Universidade Federal do Amapá