Fonte: Itforum
Por Marcelo Batista Nery*

Construção de sistemas de saúde mais robustos e equitativos exige o fortalecimento das autoridades

Imagem: Shutterstock

 

Recentemente, participei da primeira Sessão de Informações sobre o Plano Estratégico 2026-2031 da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). O encontro teve como objetivo apresentar o desenvolvimento do plano e submeter uma proposta à análise dos Centros Colaboradores da Organização Mundial da Saúde (OMS). Embora a proposta ainda esteja em fase preliminar, já se delineiam algumas prioridades, com destaque para a tecnologia e a inovação.

O Plano Estratégico reconhece a tecnologia como um componente essencial para entender problemas públicos ao longo do tempo e aprimorar os cuidados assistenciais. A transformação digital é vista como fundamental para fechar a lacuna digital nos países latino-americanos e combater desigualdades nos serviços de saúde. Além disso, a inovação tecnológica é considerada um importante instrumento para melhorar as condições de proteção e disseminação de informações, elevando a qualidade dos serviços oferecidos.

Há uma clara tendência em concentrar esforços na construção de sistemas de saúde mais robustos e equitativos, capazes de atender às diversas demandas da população. Esse processo exige o fortalecimento das autoridades, que devem liderar a formulação, monitoramento e avaliação de políticas, planos e programas, sempre com uma abordagem inclusiva. Adicionalmente, há uma intenção manifesta de reorientar o setor de saúde para uma atenção primária abrangente e integral, o que implica na gestão adequada de recursos financeiros, humanos e tecnológicos.

Alguns caminhos são cruciais para a evolução dos sistemas de saúde. Um deles é a necessidade de operacionalizar redes integradas de serviços, visando aprimorar a organização e a governança em níveis individual e coletivo. Essa abordagem aumenta a capacidade resolutiva do primeiro nível de atenção, ou seja, promoção da saúde, prevenção de doenças e tratamento de condições comuns de baixa complexidade, impactando diretamente o alcance, a equidade e a resiliência desses sistemas.

A avaliação de programas, tecnologias de saúde e serviços de telemedicina deve ser priorizada e realizada por meio de modelos inovadores de cuidados intersetoriais, ampliando o alcance de iniciativas já estabelecidas e aumentando a eficiência. O aprimoramento desses modelos, centrados no ciclo de vida das pessoas e suas comunidades, é indispensável para garantir uma coordenação ativa e assegurar a comunicação e continuidade do cuidado. Assim, a transformação digital não apenas melhora resultados, mas também potencializa a vigilância e o controle de doenças não transmissíveis.

Nesse contexto, é crucial promover a inovação e o desenvolvimento regional na produção de tecnologias da informação (TI), criando ambientes e ecossistemas que garantam um impacto sustentável. Para isso, é necessário fomentar mecanismos de financiamento adequados, facilitando o acesso a serviços de saúde e eliminando gradualmente as despesas diretas, de acordo com as prioridades nacionais e o contexto de cada sistema de informação.

Avançar em esforços coordenados é essencial para assegurar o acesso equitativo a tecnologias de saúde estratégicas, como diagnósticos, vacinas e tratamentos. Isso implica no fortalecimento dos sistemas regulatórios em níveis nacional, regional e sub-regional, que garantam a qualidade, segurança e eficácia dos serviços. Mecanismos sustentáveis e transparentes de aquisição pública, como fundos rotativos, são fundamentais para aumentar a disponibilidade de tecnologias básicas e medicamentos essenciais.

A OPAS considera a transformação digital do setor de saúde como uma chave para melhorar a eficiência, acessibilidade e qualidade dos serviços. Este processo envolve a adoção de TI pelos trabalhadores do setor, aprimorando a alfabetização digital e oferecendo treinamentos específicos. Além disso, é significativo avançar na integração de sistemas de informação, com especial atenção à inteligência médica e suas aplicações práticas.

A transformação digital deve criar um robusto ecossistema global de evidências, capacitando governos, profissionais e a sociedade civil a tomar decisões informadas em busca de um futuro mais promissor. Assim, a OPAS reafirma seu compromisso em fortalecer as capacidades do ecossistema científico, promovendo uma maior integração entre ética e conhecimento, sempre com foco na transparência, na gestão de riscos e no impacto social, preservando a integridade na pesquisa e construindo confiança na ciência.

Há uma necessidade urgente de reforçar os ecossistemas de dados para orientar a tomada de decisões na saúde. Isso envolve não apenas melhorar a disponibilidade de dados, mas também a capacidade de utilizá-los de forma eficiente no atendimento médico. Fomentar parcerias intersetoriais é crucial para aumentar a conectividade e impulsionar o desenvolvimento de soluções em inteligência artificial (IA), big data e bens digitais públicos, como conteúdos educacionais e plataformas digitais acessíveis à sociedade.

A priorização do uso de sistemas baseados em IA, juntamente com abordagens não tradicionais de vigilância, visa permitir detecções mais rápidas e investigações eficientes, resultando em alertas oportunos sobre emergências e desastres. Com a expansão das capacidades desses sistemas, espera-se uma detecção precoce e respostas ágeis a emergências de saúde. Essa expansão deve estar alinhada a políticas que promovam uma avaliação contínua, abordando os desafios contemporâneos da saúde pública, como violências, epidemias e as condições sociais, ecológicas e climáticas que favorecem a propagação de vetores e doenças.

Esses elementos centrais esboçam as diretrizes do Plano Estratégico 2026-2031. Vale destacar que o plano está em sua fase inicial e que a seleção e interpretação das prioridades expressa minha percepção pessoal. Essa perspectiva, embora fundamentada em documentos da OMS, é moldada pela convicção de que a tecnologia desempenhará um papel vital na evolução do setor de saúde nos próximos anos.

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*Pesquisador no Think Tank da ABES e na Cátedra Oscar Sala do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP), coordenador de Transferência de Tecnologia e Head do Centro Colaborador da OPAS/OMS (BRA-61) do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, os posicionamentos da Associação.

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