Fonte: itforum
Por Daniel Luis Notari* e Ana Cristina Fachinelli Bertolini**

Tecnologias não se mostraram eficazes quando a catástrofe ocorreu

 

A notícia de um possível “Acumulado de chuva pode passar de 800 mm no Rio Grande do Sul” publicado em 30 de abril de 2024 parecia algo inimaginável. Quatro semanas depois, outra notícia publicada em 1º de junho confirma que choveu o esperado em Caxias do Sul no mês de maio, sendo o maior volume de chuva registrado em um único mês. Destaca-se que mais de 70% desse volume choveu nos primeiros dez dias de maio, correspondendo a aproximadamente 45% do previsto para o ano inteiro. A excepcionalidade das chuvas e seu impacto imediato resultaram na canalização de toda essa água na Serra Gaúcha para a região dos vales (Lajeado, Taquari, Rio Pardo, São Sebastião do Caí, entre outras cidades), desaguando no Estuário do Guaíba. Isso culminou na maior cheia de Porto Alegre e região metropolitana. 

O caos instaurou-se no Rio Grande do Sul, com milhares de pessoas desalojadas, ruas e cidades inacessíveis, deslizamentos de terra, tremores de terra, entre outras calamidades. Paralelamente, uma campanha de solidariedade sem precedentes mobilizou doações e assistência de todos os lugares. As prefeituras, governo do estado e diversas entidades começaram a demandar por soluções de software para ajudar na gestão de voluntários, gestão de doações, locais de abrigo, entre outros. 

Em tempos de discussões sobre Cidades Inteligentes, Cidades Resilientes, modelos de predição de inteligência artificial e meteorológicos, pouco dessas tecnologias se mostrou eficaz quando a catástrofe ocorreu.

A norma internacional ISO 37122 para cidades inteligentes desempenha um papel crucial para a implementação de serviços com o uso de tecnologias avançadas na gestão urbana. Em outras palavras, a norma e seus indicadores são fundamentais para monitorar o progresso do uso da tecnologia e o desenvolvimento municipal como um todo. É necessário cumprir requisitos que respondam aos desafios como mudanças climáticas, rápido crescimento populacional e instabilidade política e econômica; utilizar informações e tecnologias modernas para oferecer melhores serviços e qualidade de vida aos habitantes; proporcionar um melhor ambiente de vida; e alcançar os objetivos ambientais e de sustentabilidade de forma mais inovadora.

A Iniciativa Construindo Cidades Resilientes 2030 (Making Cities Resilient 2030 – MCR2030) é uma ação única entre os atores comprometidos com a resiliência local por meio da defesa de causas, compartilhamento de conhecimentos e experiências entre cidades, estabelecimento de redes de aprendizagem mútua, articulação entre diferentes níveis de governo, e construção de parcerias. Ao fornecer um roteiro claro para a resiliência, conhecimentos técnicos e ferramentas de monitoramento, a iniciativa MCR2030 apoiará as cidades em sua jornada para reduzir o risco de desastre e construir resiliência urbana.

O desafio de transformar uma cidade em inteligente e resiliente está previsto nas ações governamentais como a Carta Brasileira de Cidades Inteligentes. Atualmente, o estado do Rio Grande do Sul reage com uma imensa de rede de colaboração, de voluntários e doações vindos de todo o país e do exterior. Nos questionamos se isso poderia ter sido evitado, prevenido ou minimizado em sua intensidade. Nunca saberemos a resposta definitiva. O que podemos fazer é aprender com os eventos (terceira chuva forte em 10 meses) por meio da elaboração de planos de contingência, educação da população para eventos extremos, bem como observar o que outras cidades, estados e países fizeram em eventos semelhantes.

Tornar uma cidade inteligente e resiliente é custoso e envolve investimento em sensores, redes de aquisição de dados, tratamento dos dados, e construção de ferramentas de gestão para compreender esses dados para auxiliar na tomada de decisões. Além disso, é necessário avaliar o uso de sistemas de alarme para a população como os utilizados nos Estados Unidos em eventos climáticos extremos. 

Outro ponto importante que isso precisa de coordenação. Iniciativas isoladas de desenvolvimento de ferramentas e plataformas estão sendo feitas para auxiliar nesse evento extremo, como por exemplo para monitorar o nível de água do Estuário Guaíba; plataformas para informar situações de risco, registrar ocorrências e analisar indicadores para tomar decisões mais ágeis e eficientes; a solução Abrigo RS e Apoio a Enchentes visa conectar as necessidades dos abrigos à sociedade; e outras soluções para auxiliar no controle de desastres. 

Fazemos parte do grupo de pesquisa do City Living Lab da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Recentemente, nosso grupo de WhatsApp foi inundado de discussões sobre o que poderia ser feito para ajudar a curto prazo. Uma das iniciativas envolveu um webinar intitulado “Rio Grande do Sul e Inundações: Conhecimento Atual e Caminhos para Redução de Riscos”, com a participação dos pesquisadores do grupo e os painelistas Nathan dos Santos Debortoli e Pedro Ivo Mioni Camarinha, discutindo as recentes enchentes, estratégias para minimizar riscos futuros e experiências do Canadá em relação às mudanças climáticas. Outra iniciativa envolveu a assinatura de um acordo entre a Prefeitura e a Universidade de Caxias do Sul para organizar um plano de ação visando preparar o município para eventos climáticos cada vez mais frequentes, tornando Caxias do Sul uma cidade resiliente. Esse acordo consiste na aplicação de uma metodologia desenvolvida pelos pesquisadores do City Living Lab para levantar e analisar dados e gerar um mapeamento do estado dos fatores de resiliência da cidade com base em modelos científicos de cidades resilientes. 

Enfim, necessita-se de uma maior integração entre governos, universidades, instituições e a sociedade na busca de soluções para tornar as nossas cidades mais inteligentes, sustentáveis e resilientes, bem como preparadas para os atuais e futuros desafios.

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*Pesquisador do Think Tank da ABES e professor da Universidade de Caxias do Sul.
**Professora da Universidade de Caxias do Sul.

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