Por Marcelo Batista Nery*

A celebração do Dia Internacional do Acesso à Informação, que é feita no dia 28 de setembro, assume um papel de destaque no calendário ao realçar a importância da acessibilidade ao conhecimento como uma manifestação de liberdade e um instrumento para a participação nas esferas pública, privada, midiática, acadêmica e comunitária. Instituída em 2015 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), esta data busca conscientizar a população sobre o fato de que o acesso à informação é um direito inalienável de cada indivíduo e um elemento fundamental para a promoção de espaços de diálogo e a eficácia das práticas de governança. No entanto, no Brasil, as coisas não funcionam como preconizadas (seja fora do país ou não), e eu posso demonstrar.

Interessante observar que, no contexto brasileiro, um marco significativo para a divulgação de dados por iniciativa do setor público se deu anos antes, em 2011, quando o Senado Federal aprovou o projeto que culminou na promulgação da Lei de Acesso à Informação (LAI). Esta lei (nº 12.527) atende a um mandamento constitucional que assegura aos cidadãos o direito de obter informações de interesse pessoal ou coletivo dos órgãos públicos. A LAI baseia-se no princípio da publicidade, que estabelece a divulgação como regra geral e restringe o sigilo a situações excepcionais.

A prerrogativa de prestar informações foi compartilhada por todos os poderes e órgãos públicos, em todos os níveis administrativos. Entretanto, é importante lembrar que, inicialmente, os Executivos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios regulamentaram a matéria por meio de decretos e medidas administrativas, o que, em algumas instâncias, resultou em morosidade e prejudicou a obtenção de informações. Tal panorama era observado de maneira recorrente nos diferentes estados do país e ainda é algo que pode ser notado.

A LAI engloba a totalidade da Administração Direta e Indireta, incorporando igualmente as entidades municipais. A título de exemplo, na cidade de São Paulo, o Decreto Nº 53.623, datado de 12 de dezembro de 2012, estabelece a regulamentação da LAI no âmbito do Poder Executivo. No Art. 2º, os órgãos e entidades municipais se comprometem a garantir o direito de acesso à informação, por meio da implementação de procedimentos ágeis e objetivos, veiculados de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão; e no Art. 3º, é destacada a importância da adesão à publicidade como preceito primordial e do sigilo como exceção.

Passados cinco anos, ou seja, em um momento em que tanto a LAI como o Dia Internacional do Acesso à Informação já deveriam estar bem estabelecidos, comecei a delinear um projeto. Este projeto tinha como objetivo realizar um estudo comparativo de dados relacionados a homicídios, usando duas fontes distintas de informação: a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) e a Secretaria de Segurança Pública (SSP), ambos referentes à cidade de São Paulo.

Resumindo: No final de 2018, a partir de uma análise preliminar da plataforma Brasil, sistema eletrônico utilizado no país para o gerenciamento e análise de projetos de pesquisa envolvendo seres humanos como participantes, observaram-se riscos mínimos para o referido projeto, uma vez que a coleta de dados não incluía informações de identificação pessoal. Em 2019, o projeto obteve todas as aprovações necessárias, respaldado por pareceres especializados bem fundamentados. Em 2020, recebi a carta de anuência institucional da SMS, assinada pelo seu coordenador, endossando a manifestação favorável emitida pelo Comitê de Ética em Pesquisa da própria SMS.

Contudo, como Vinicius de Moraes dizia em “Testamento” (do álbum “1971”), “o buraco é mais embaixo”. Apesar do humor dessa expressão, ela ilustra a complexidade subjacente a muitos processos envolvidos no acesso à informação. Decorridos três anos desde a concepção do projeto até a obtenção de todas as aprovações necessárias para a sua implementação (e já com os dados da SSP em mãos), as informações necessárias não foram disponibilizadas, devido a uma resistência pouco explicada por parte de alguns técnicos da SMS – destaco a palavra “alguns”, pois participei de reuniões nas quais muitos técnicos se mostravam favoráveis à cessão dos dados.

7Minha equipe e eu jamais conseguimos acessar os dados solicitados. No entanto, algum tempo depois, chegou ao meu conhecimento que outras pessoas, com projetos equivalentes, tiveram mais sucesso. Esse impasse e disparidade revelam um dilema complexo que envolve tanto fatores técnicos e operacionais quanto questões pessoais e controvérsias ligadas ao trabalho, que podem representar exemplos de obstáculos ao acesso à informação. Isso destaca a importância de examinar os trâmites para obtenção de dados, considerando os aspectos regulatórios e as dinâmicas internas das instituições envolvidas.

No momento atual, em que se amplia o entendimento da importância de oferecer serviços (sobretudo de informação) aos cidadãos e de dinamizar os processos governamentais de forma responsiva e integrada (visando transparência, legitimidade e cidadania), a harmonização entre o controle institucional e a autonomia individual é crucial para a promoção do bem público. Essa harmonização pode ser atingida por meio de diretrizes explícitas, supervisão efetiva, mecanismos de avaliação imparciais e incentivos que fomentem o uso de tecnologias, sobretudo TI e de conhecimento.

Uma análise mais profunda sobre como as informações são acessadas no contexto público revela a complexidade dos problemas. A interseção de fatores burocráticos e interpessoais demonstra que a busca por informações até agora é um processo dinâmico e desafiador. No entanto, alcançar um equilíbrio entre esses fatores (considerando também aspectos técnicos e pseudossociais) é crucial para a democracia e a tomada de decisões políticas. A custo de implementar diretrizes objetivas, supervisão eficaz, respeito à hierarquia e processos adequados, torna-se possível criar um ambiente no qual as informações públicas estejam eficazmente disponíveis, gerando a convergência intelectual, bem como o avanço de uma agenda de políticas públicas e o apoio à inovação.

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*Pesquisador no Think Tank da ABES, coordenador de Transferência de Tecnologia e Head do Centro Colaborador da OPAS/OMS (BRA-61) do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo

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