Por Eduardo Peixoto*

Em meio ao processo de transformação digital em curso atualmente, podemos ver o movimento de companhias inteiras se reorganizando para preservar sua relevância no mercado. Empresas de variados portes e setores de atuação, todas estão atentas ao assunto. Na prática, podemos dizer que temos uma mudança de cenário no mundo empresarial, em que o modo digital nos negócios não é mais essencial apenas para otimizar a operação, mas sim para transformar, gerar novo valor e habilitar as organizações a se reinventar e a sobreviver à destruição e ao redesenho dos mercados. E no Brasil, como estamos nesta preparação? Estamos prontos ou ao menos chegando próximos disso?

Ainda não há uma avaliação ampla disponível sobre o patamar em que as empresas brasileiras se encontram diante da transformação digital, mas uma pesquisa recente serve de sinalizador. Com o objetivo de mapear o mercado nacional a partir da avaliação por setores, um questionário foi respondido por atores do segmento automotivo, conhecido pelo alto uso de tecnologia. A partir das informações obtidas junto a 138 empresas, a conclusão é de que dois terços delas (65,70%) acreditam que estão longe ou, pior, muito longe da Transformação Digital.

Mesmo com a importância das incorporações tecnológicas em seus produtos, essas organizações não mudaram a maneira como inovam, como atuam com seus consumidores, como competem entre si e com outros setores. E como consequência desse descompasso, atualmente elas se veem atacadas no setor de transporte por apps como Uber e 99. Uma concorrência que hoje é periférica, mas que apresenta potencial.

De modo semelhante, podemos dizer que os empresários brasileiros de segmentos mais avançados tecnologicamente estão conscientes da necessidade de transformação digital, mas não compreendem ainda a profundidade em que ela está ocorrendo. Há setores mais impactados, tentando agora recuperar perdas pelo atraso em se adaptar às mudanças ocorridas no ambiente. É o caso do varejo, agora avançando velozmente, do financeiro, também em evolução total, e do setor de seguros, pronto para uma movimentação muito grande. Estes talvez sejam os setores mais atentos ao que está acontecendo.

Mesmo por intuição, o empresário costuma saber se está alinhado com as medidas necessárias para a transformação digital ou se o ritmo está arriscando sua competitividade. Mesmo nada original, uma ilustração válida aqui é a do trem apitando, anunciando que se aproxima da plataforma. O apito já soou. Quem não estiver pronto a embarcar na hora certa, perderá o trem. Isso não parece nada bom. O impacto de perder o tempo certo para a transformação digital pode ser medido de várias maneiras sobre os negócios das empresas. Uma delas está no fato de a disponibilidade das novas tecnologias permitir que as empresas passem a competir não só no próprio setor de atuação original, como também no segmento de negócios de empresas de outros setores.

Caso clássico, a Netflix distribuía DVDs pelos Correios, até criar um catálogo digital para distribuir vídeos pela Internet. Se quando surgiu no mercado a competição dela se dava com as locadoras, hoje a Netflix passou a maior concorrente da TV a cabo e dos estúdios de gravação, pois também produz conteúdo. É o fim das fronteiras delimitando setores de atividade. A internet tornou esse mercado acessível e a distribuição de filmes muito mais cômoda. A força da entrada da Netflix no mercado fez com que a empresa conseguisse até colocar um botão novo no controle das TVs. Vemos que a competição mudou e não respeita mais as fronteiras tradicionais.

O processo de transformação digital começa com um levantamento da situação da empresa e certamente vai passar por ações de cultura e pessoas. Esta é a maior barreira, independente do setor que se esteja olhando. Dos levantamentos que estamos fazendo, é possível perceber que nenhuma transformação acontece sem que trabalhemos cultura e pessoas.

Para o empresário preocupado com seu atraso no processo de transformação digital, aconselhamos como primeira providência realizar um diagnóstico em oito eixos: Cultura & Pessoas; Consumidores; Concorrência; Inovação; Processos; Modelos de Negócios; Dados; e Tecnologias. É uma maneira de conhecer o que importa para, então, saber como atuar para obter o resultado. Este diagnóstico proposto conta com 42 perguntas. Cada um dos eixos é pontuado e a empresa recebe um relatório da percepção do colaborador com relação à empresa. O resultado não é da empresa como um todo, mas da pessoa que respondeu.

Para ter o resultado de uma empresa, é preciso ouvir mais de uma pessoa. Dependendo do tamanho da organização, a pesquisa pode chegar a 20 ou 50 pessoas. A consolidação das respostas mostra sua situação no momento atual. A partir deste diagnóstico, são desenhadas as ações de transformação digital que podem acontecer baseadas nos oito eixos ou podem se voltar mais para determinados aspectos em que a organização está mais vulnerável, seja no segmento de consumidores, dados ou modelos de negócios.

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*Chief Designer Officer do CESAR, um dos maiores centros de inovação do país, sediado em Recife. A instituição, sem fins lucrativos, foi fundada em 1996 e faz parte do Porto Digital, um dos maiores parques tecnológicos do país.

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