Por Luciano Sobral*
Estamos vivendo um momento de virada de chave no uso de Inteligência Artificial Generativa (GenAI). A tecnologia deixou de ser uma aposta para se consolidar como uma realidade concreta – e, acima de tudo, estratégica – no setor financeiro brasileiro.
Segundo a pesquisa “Sua jornada para um futuro com IA generativa”, encomendada pelo SAS e conduzida pela Coleman Parkes Research em 2024, seis em cada dez bancos já implantaram pelo menos um caso de uso de GenAI em seus processos. O que antes era explorado em ambiente controlado de testes começa a ganhar escala e visibilidade real.
Esses dados revelam que entramos em uma nova etapa de maturidade tecnológica: a fase de aplicação prática, com impacto direto nas engrenagens do sistema financeiro – desde operações e processos até a competitividade do negócio. No entanto, essa transformação exige mais do que entusiasmo com as novas possibilidades. Ela demanda visão estratégica, governança sólida e coordenação eficaz entre os agentes envolvidos – desde líderes de negócio e conselhos administrativos até profissionais de tecnologia, compliance e regulação.
Como apontado no Capco Journal 60, no artigo “How Corporate Boards Must Approach AI Governance”, a responsabilidade pela governança da IA já não pode ser delegada apenas às áreas técnicas. Cabe aos executivos assumirem um papel ativo, indo além da supervisão passiva e adotando modelos proativos de autorregulação e compliance. A confiança na tecnologia precisa vir acompanhada de estrutura de controle, avaliação de riscos e transparência. Para isso, empresas devem mapear os temas críticos da IA – como robustez, enviesamento, atribuição de autoria, impacto ambiental e direitos de propriedade intelectual – e posicioná-los em uma matriz de risco e regulação, definindo o nível de supervisão adequado para cada um.
Ao mesmo tempo, para que a GenAI gere valor real, é preciso fugir da adoção superficial. Seu uso precisa estar ancorado em problemas bem mapeados, com objetivos claros e métricas de sucesso definidas. O risco de encarar a tecnologia como uma solução universal ainda existe e pode comprometer os resultados quando não há maturidade suficiente na abordagem.
A infraestrutura é outro ponto que merece atenção. O setor financeiro convive com sistemas legados complexos, alguns com décadas de operação. A integração entre essas plataformas e a GenAI requer uma engenharia cuidadosa, que preserve a estabilidade e a segurança sem frear a inovação.
Nesse contexto, a mentalidade empresarial também precisa evoluir. A IA Generativa deve ser tratada como um produto, ou seja, com estratégia de implementação, visão de retorno sobre o investimento (ROI) e foco em impacto real. Projetos bem-sucedidos partem de diagnósticos sólidos, priorizam casos de uso com potencial concreto de transformação e se adaptam continuamente com base nos aprendizados obtidos.
Olhando adiante, os modelos multimodais, capazes de interpretar e gerar não apenas texto, mas também imagem, voz e vídeo, devem expandir ainda mais as aplicações da tecnologia. A convergência com robótica inteligente já começa a ser discutida como próxima fronteira, sinalizando que o movimento atual é apenas o começo.
Neste caminho de evolução, os chamados agentes de IA ganham protagonismo. Mas essa solução, que promete um novo salto tecnológico, exige reflexão profunda sobre quando e como usar a GenAI. Não se trata de automatizar o pensamento crítico, mas de ampliá-lo com responsabilidade. O papel humano – com julgamento, contexto e ética – segue sendo insubstituível.
Para o setor financeiro, a mensagem é clara: a GenAI não está mais no horizonte, e sim no presente. Ignorar esse avanço é abrir espaço para um negócio perder relevância no mercado. Por outro lado, abraçá-lo com método, visão, governança e responsabilidade representa uma oportunidade real de transformação e de sustentabilidade de uma operação.
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*Sócio e head da operação brasileira da consultoria Capco.