Por Anderson Röhe*
O presente artigo parte da pergunta de o quão podem ser temerárias e até mesmo perigosas ou arriscadas declarações de natureza prospectiva. Sobretudo em termos especulativos, diante de uma ordem mundial que hoje é multipolar e multifacetada. Isto é, composta não por um ou apenas dois atores hegemônicos.
Seu objeto de análise é a “Declaração para o Futuro da Internet” que EUA, União Europeia e outros aliados internacionais compartilharam recentemente[1].
Documento que traz não só preocupações legítimas com direitos humanos, liberdades civis e garantias fundamentais na era digital, mas também visões comuns de mundo do que consideram uma “internet global, livre, interoperável, aberta, segura e mais confiável”.
Principalmente por intermédio de o Artificial Intelligent Act (AIA), o Digital Markets Act (DMA) e o Digital Services Act (DSA)[2]. Um amplo pacote de medidas ex ante em que a União Europeia objetiva não só regular os mercados digitais quanto à liberdade de expressão, da livre iniciativa e concorrência, mas que igualmente objetiva salvaguardar – pelo princípio de precaução – a soberania digital europeia, o livre fluxo internacional de dados, bem como os direitos de seus cidadãos dentro e fora do bloco europeu. Pela chamada “interoperabilidade”.
Justifica-se a relevância temática, pois uma declaração como esta, embora bem-intencionada a priori, pode surtir efeito oposto ao esperado, no intuito de combater o que julga ser concorrência desleal e anticompetitiva de outros modelos de governança da internet, como aqueles propostos por China e Rússia. Diante de sistemáticos ataques cibernéticos, campanhas de desinformação em massa do que julgam ser uma tentativa estrangeira de corrosão da cultura e dos valores democráticos ocidentais.
Pois o problema em questão está no timing e contexto turbulento – e um tanto apressado – em que a mesma está sendo proferida. Isto é, diante da comoção pública frente a um cenário beligerante e de ameaça russa de se desligar da rede mundial de computadores (WWW).
O objetivo inicial, portanto, é verificar se esta proposta de governança pela regulação digital é bem-intencionada. E, secundariamente, se é, de fato, eficaz.
Visto que, em uma análise perfunctória, não é aleatório nem desarrazoado os crescentes fenômenos ora pelo banimento, ora pela moratória (suspensão temporária) do uso e do desenvolvimento de muitas das aplicações da Inteligência Artificial (IA): seja da IA generativa (produção de texto e de imagens sintéticas), seja da IA preditiva (por meio sobretudo do reconhecimento facial em locais públicos para fins de policiamento preventivo).
Em razão de serem classificadas como Inteligências Artificiais de alto risco ou de risco inaceitável por alguns de seus players. Mas não por outros atores internacionais.
O que faz com que a Declaração não seja exatamente neutra nem imparcial. Visto que seu texto é abertamente de natureza política.
A hipótese, portanto, é que a Declaração vai contra o propósito que visa impedir. Pois, ao invés de ser inclusiva, equitativa e mais acessível aos usuários da web como um todo, pode vir a fragmentar a internet, excluir países não signatários da declaração e, assim, permitir a formação de arranjos ainda mais perigosos. Por meio, inclusive, da formação de um mercado negro, de alianças militares e blocos econômicos bem mais competitivos do que os que já existem.
E um cenário global em que se adotam inúmeras regulamentações, até mesmo conflitantes, é prejudicial sobretudo para sobrevivência de pequenas empresas.
Assim, busca, como resultado final, aferir se novas tecnologias digitais – como a Inteligência Artificial – têm o duplo potencial tanto de promover um mundo mais equitativo, quanto também minar a paz internacional e o Estado Democrático de Direito. A depender do modo como a tecnologia é usada e desenvolvida pelos atores hegemônicos que hoje a dominam.
O método, para tanto, é o comparativo; para, então, contrapor as diferentes visões sobre o presente tema da regulação digital, especialmente no campo controverso das Inteligências Artificiais. Conforme os três grandes modelos existentes (seja o benchmark europeu, o estadunidense ou o chinês).
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[1]European Commission. UE e parceiros internacionais apresentam uma Declaração sobre o futuro da Internet. Comunicado de Imprensa 28 abr. 2022. Disponível neste link.
[2] RÖHE, Anderson. A reinvenção da internet e implicações de uma nova era de regulação digital. TransObjeto, 5 nov. 2022. Disponível neste link.
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*Pesquisador fellowship do GT de Inteligência Artificial do Think Tank ABES