Por Elisa Carlos*
O maior fomento da transformação digital da história não veio de políticas de estado, nem de investimentos em startups e muito menos de processos de aceleração ou pitch days. O maior fomento da transformação digital foi a pandemia. Grandes necessidades são as melhores formas de impulsionar grandes transformações.
Yuri Gitahy, um velho de guerra no ecossistema de startups, lá no início do milênio, compilou os conceitos de Steve Blank e Eric Reis: “uma startup é um grupo de pessoas à procura de um modelo de negócios repetível e escalável, trabalhando em condições de extrema incerteza.” Ou seja, uma startup precisa descobrir (às cegas) um problema real de muita gente.
A pandemia escancarou a incerteza, o isolamento gerou muitos problemas reais e urgentes de muita gente, gerando condições ideais para as startups e suportando a tão desejada transformação digital. Segundo o Gartner, no final de 2021, a transformação digital é prioridade absoluta de 66% das maiores empresas do mundo, com dois focos principais: engajamento do consumidor (cujo comportamento mudou drasticamente) e o novo formato de trabalho.
Transformação digital não é sinônimo de digitalização. Digitalização é transformar as tecnologias, antes manuais em digitais. A transformação digital engloba a transformação cultural necessária para que a digitalização aconteça. Você imaginaria quanto tempo levaria (sem a pandemia) para que pudéssemos todos trabalhar de casa? Laércio Cosentino, fundador da Totvs, já nos alertou disso há muitos anos, que antes de decidir quais as tecnologias implantar, é preciso trabalhar o mindset digital. As pessoas precisam pensar digitalmente para que a implantação da tecnologia possa ser eficaz.
Se antes, no escritório, o gestor conseguia reunir o time com um convite em voz alta e a ata com as atividades delegadas ficavam nos cadernos de cada colaborador, hoje o Google Calendar sincroniza as agendas de gente espalhada pelo mundo todo, o Tactiq faz a ata. Enquanto falamos todos no zoom, alguém coloca os pontos principais no slack, e mesmo quem não participou pode compreender o que foi discutido. Todas as atividades delegadas vão automaticamente para sua agenda no calendar. E se sincronizar com o Asana então, vira facilmente um Gantt. Não se preocupe em entender o que cada um desses aplicativos faz. O que importa é que essa nova cultura de trabalho, criada a fórceps pela pandemia, gerou uma adaptação tecnológica incrível. A tecnologia esteve, de fato, a serviço da humanidade.
Paralelamente à tecnologia, no ano passado os trabalhadores norte-americanos criaram um fenômeno social que foi chamado de great resignation ou great reshuflle, traduzido livremente como a grande renúncia. Estamos falando de pedidos de demissão em massa (10x maior do que o usual). Em meio ao caos da pandemia, os trabalhadores preferiam pedir demissão a manter-se expostos a condições de trabalho que não consideravam seguras. O vírus trouxe o ambiente propício para que os trabalhadores pudessem repensar seus estados subótimos de vida, em seus trabalhos também subótimos e aproveitaram a oportunidade para se posicionar e buscar outras formas de trabalho. Raj Sisodia, professor Babson College, já nos havia alertado que quase 70% da força de trabalho norte-americana vivia infeliz no seu emprego, antes da pandemia.
Em resposta ao great reshuffle, o Gartner sugere que o trabalho do RH nesse ano seja institucionalizar, o que eles chamaram de human centric, em oposto ao que fazíamos antes: office centric. Se antes o escritório era o ponto central da empresa, hoje o ser humano (e nem o recurso humano e nem o colaborador, aqui estamos falando de pessoas com corpos, emoções, sentimentos e interdependências) é o centro da empresa. Em concordância com a professora de Harvard Tsedal Neeley que sugere encarar o escritório como uma ferramenta e como qualquer ferramenta dentro da era digital, pensar qual a melhor forma de usá-la como suporte ao desenvolvimento das pessoas. São pessoas, que ao se transformarem, transformam o mundo.
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*Head de operações da Softex Nacional