Por Marcela Flores*

Para entender a transformação digital é necessário compreender que ela é composta por três diferentes estágios: a digitização, voltada à conversão da transformação analógica em formato digital, a digitalização — quando as empresas aplicam tecnologias digitais para otimizar processos de negócios existentes — e a transformação digital em si. No caso da digitalização, ela permite codificar a informação de modo que os computadores possam armazenar, processar e transmitir determinada informação.

Já a digitalização é a forma como as tecnologias digitais são usadas para alterar processos de negócios existentes, permitindo uma coordenação entre métodos mais eficientes e criando um valor adicional para o cliente. Bons exemplos disso são os novos canais de comunicação online ou pelo celular, que permitem que o consumidor se conecte facilmente com as instituições, mudando a forma como tradicionalmente era realizada essa interação. Assim, a digitalização não é tão focada em redução de custo, como a digitalização, mas inclui melhorias que podem aprimorar, consequentemente, a experiência do usuário.

A transformação digital é a fase mais profunda deste processo, na qual envolve uma mudança mais abrangente na instituição e que leva, inclusive, ao desenvolvimento de modelos de negócios. São diversas as implicações organizacionais ocasionadas pela transformação digital, especialmente porque o modelo de core business da empresa é modificado por meio do uso de tecnologias digitais. Isso traz vantagens competitivas, uma vez que há uma mudança na estrutura da instituição e sua forma de fazer negócios, além de permitir que a companhia entre em novos mercados, interaja com fornecedores, clientes e competidores em um formato totalmente novo.

As metas também refletem a maturidade da organização. Se a instituição ainda está em uma fase inicial de digitalização, por exemplo, os objetivos podem estar atrelados à redução de custo, tornando as atividades já existentes mais efetivas. Agora, quando a companhia passa para a fase de digitalização, é possível trabalhar metas de aumento de receita, justamente porque há melhorias na experiência do cliente. Por fim, quando finalmente a empresa passa por um processo de transformação digital mais robusto, é possível implementar metas relacionadas ao novo modelo financeiro, já que houve uma reconfiguração dos ativos para desenvolver o novo modelo de negócio.

Plataformas digitais

Existem inúmeras estratégias para o crescimento digital, mas a mais proeminente envolve o uso de plataformas — tática comum também nas fases mais profundas da mudança digital. É importante dizer que uma característica única das empresas dentro deste perfil diz respeito aos números expressivos de crescimento. O Google, por exemplo, cresceu, em um período de 17 anos, a uma taxa de 50% ao ano, passando de um bilhão de buscas, em 1999, para dois trilhões, em 2016. Já o Facebook teve um crescimento de usuários em torno de 25% ao ano, no período de 2009 a 2017. Existem muitos fatores por trás desses números, mas os principais têm a ver com a escalabilidade das plataformas e os efeitos de fortalecimento de rede.

Com relação às estratégias em si, podemos falar da penetração e do desenvolvimento de mercado. Para se ter ideia, 30% dos usuários da Netflix, por exemplo, não assistem TV e, ainda assim, tornaram-se clientes do streaming, que funciona de maneira televisionada ou por meio de outros dispositivos (às vezes, isso abre portas para criar novos mercados como, por exemplo, o de smartwatches, criado pela Apple).

As plataformas digitais permitem, inclusive, que usuários externos co-criem valores de maneira ativa quando recebem autoridade para desenvolverem certas atividades. Desta forma, o sistema de avaliação existente também tem a ver com essa estratégia, como acontece nos websites de viagens do Tripadvisor e Booking. Por último, podemos olhar para a possibilidade de crescimento de grandes plataformas, buscando mercados ainda inexplorados de novos produtos, por meio da diversificação.

Temos muitos exemplos de cases reais de transformação digital no mundo, como o da Amazon, que se tornou a segunda maior varejista do mundo, atrás apenas do Walmart, sem possuir nenhuma loja física; o Airbnb, que é o maior provedor de hospedagem do mundo, sem ao menos possuir um “hotel”; a Uber, que é a maior companhia de táxi do mundo e não conta com nenhum “carro”; e, por fim, o Facebook, que é o provedor de mídia mais popular do mundo e não produz nenhum conteúdo.

No Brasil, temos o case da Natura&Co, que desenvolveu e integrou um conjunto de soluções digitais e móveis que faz o networking dos clientes com as consultoras, gerentes internos de vendas e com o sistema de gestão da rede. Por meio do aplicativo, essas empreendedoras são conectadas com gerentes de vendas internos da marca, o que auxilia em todo o processo de desenvolvimento e aprendizado delas, como a realização de treinamentos, negociação de boletos, entre outras atividades.

Além de parcerias com startups brasileiras para criação de um sistema de machine learning para otimização da análise dos dados, a companhia busca, ainda, aprimorar a eficácia de cada empreendedora, melhorando, assim, não apenas os resultados na empresa, mas, também, a vida dessas profissionais, uma vez que são gerados novos benefícios para essas parceiras.

Vale reforçar que o desenvolvimento de produtos da Natura passou de um time-to-market, com tempo de desenvolvimento de mais de seis meses, para entregas semanais, e possibilidades de mudar a direção de desenvolvimento de forma quase que instantânea com esse aprendizado e grandes dados disponíveis de forma imediata. Hoje, a companhia conta com mais de 1 milhão de e-commerces individuais ativos (por consultora), um excelente case brasileiro de empresa que mudou seu modelo de negócio como resultado da aplicação da transformação digital.

A transformação digital é uma realidade no presente e futuro no mundo todo. É uma das principais forças de inovação nos dias atuais, sendo necessário o olhar atento das empresas a este tema, além da preparação para absorver conceitos, aplicando-os em seus modelos de negócios e garantindo sua existência no novo mundo que se apresenta.

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* Diretora Executiva da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (ANPEI), entidade brasileira multissetorial e independente do ecossistema de inovação que trabalha em prol do avanço da inovação no País

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