Fonte: MIT-Brazil Program

Na era dos supercomputadores e do Big Data, ciência busca formas de produzir dispositivos computacionais mais velozes, eficientes e sustentáveis

Foto: Gilvânia, pesquisadora brasileira, ao lado de um sistema multifuncional para fabricação de filmes finos e nanoestruturas de vários materiais localizado no Francis Bitter Magnetic Laboratory do MIT, onde ela fabricou dispositivos para sua pesquisa em spintrônica.

 

O desenvolvimento de computadores mais rápidos, mais eficientes e com maior capacidade de armazenamento é uma grande meta da comunidade científica mundial. Na era do Big Data, Internet das Coisas e Inteligência Artificial, onde uma gigantesca quantidade de dados é gerada a cada segundo e objetos utilizados no nosso cotidiano estão cada vez mais conectados com a internet, a demanda computacional da sociedade cresce disparadamente, reforçando a necessidade de inovações tecnológicas que correspondam às expectativas de termos dispositivos cada vez melhores.

Para isso, a grande aposta dos cientistas é a Spintrônica, ou Eletrônica de Spin, que explora o spin dos elétrons para o armazenamento e processamento de informações. O spin é uma propriedade quântica presente em partículas subatômicas, e alterar seu estado é mais rápido e custa menos energia do que gerar correntes elétricas para operar dispositivos eletrônicos. Isso torna os dispositivos spintrônicos mais rápidos e eficientes: as informações podem ser conservadas mesmo sem alimentação e as memórias e sensores precisam de menos energia para funcionar.

A spintrônica foi apontada no Fórum Mundial de Materiais de 2021 (World Materials Forum 2021) como uma das dez tecnologias que devem alcançar a escala industrial até 2030, contribuindo para um mundo mais conectado e veloz, e ao mesmo tempo mais sustentável. A spintrônica é vista como uma solução natural para o crescente armazenamento e processamento de dados da sociedade devido à sua eficiência energética, e as principais instituições de pesquisa do mundo estão desenvolvendo projetos sobre esse tópico — inclusive com a participação de brasileiros.

Gilvânia Vilela, professora, pesquisadora e coordenadora do curso de Física de Materiais da Universidade de Pernambuco (UPE), estuda como excitar e controlar fluxos de spins e como usar essas propriedades em dispositivos computacionais. Ela foca na chamada “magnon-spintrônica”, que é o campo onde se estuda o comportamento de ondas de spin em dispositivos e nanoestruturas. “Magnons são excitações coletivas de spin que se propagam na matéria na forma de ondas de spin. Essas ondas podem ser excitadas e controladas para transportar e processar dados. Ainda não temos dispositivos computacionais comerciais baseados em magnons, mas a comunidade científica mundial tem se esforçado para tornar isso uma realidade”, explica a especialista.

Colaboração entre pesquisadores do MIT e UPE

Foi por meio de uma colaboração entre a UPE, onde ela era professora adjunta, e o Massachusetts Institute of Technology (MIT), que Gilvânia pôde levar sua pesquisa na área de Física de Materiais adiante e fazê-la ter impacto internacional. Durante os dois anos dessa pesquisa, de 2017 a 2019, orientada pelo professor Dr. Jagadeesh Moodera, a pesquisadora se dedicou ao estudo da fabricação de materiais e nanoestruturas para dispositivos Magnon-Spintrônicos e Supercondutores (como por exemplo na forma de filmes finos e multicamadas com dimensões nanométricas, manipulando a matéria em escala quase atômica).

De volta ao Brasil em 2019, sua passagem pelo MIT contribuiu para fortalecer e iniciar novas colaborações no Brasil e no mundo. Seus materiais e dispositivos fabricados no MIT foram enviados para a UC-Riverside e Northeastern University nos EUA, Peking University na China e Pontifícia Universidad Católica de Chile no Chile. No Brasil, foram enviados para UFPE, USP, CDTN, UFMG, UFV, UFRN e UFRPE. A extensa rede permitiu o envolvimento de professores, alunos de graduação e pós-graduação na investigação de materiais com potenciais aplicações em dispositivos computacionais baseados em ondas de spin, buscando desenvolver uma computação energeticamente mais eficiente e rápida.

Gilvânia e Moodera ficaram muito satisfeitos com os resultados de sua colaboração, mas desejavam manter a conexão entre UPE e MIT viva mesmo após o retorno da brasileira para sua terra natal, não só para dar continuidade à pesquisa dos cientistas, mas também para oferecer oportunidades a outros estudantes e pesquisadores brasileiros. Era necessário realizar reuniões para discussões científicas e fabricação de novos materiais a fim de responder às próximas perguntas sobre o tema da pesquisa. Foi então que os fundos do MIT Global Seed Fund e do MIT-Brazil Seed Fund financiaram a visita de Gilvânia, para que ela e Moodera pudessem fabricar novos materiais e dispositivos.

Durante essa estadia no MIT, financiada pelo MIT-Brazil Program, Gilvânia também conheceu a diretora do programa, Rosabelli Coelho-Keyssar, e elas puderam conversar sobre estratégias para promover o intercâmbio de alunos entre o MIT e as instituições de ensino de Pernambuco, UPE e UFPE. “Minha estadia no MIT mudou completamente como faço pesquisa. Me mostrou a importância de manter uma rede colaborativa em torno de um tema científico para promover avanços reais nesse campo. E, com isso, quis fazer o que estava ao meu alcance para que essa oportunidade que tive se expandisse a mais brasileiros, mostrando a meus alunos que eles podem realizar pesquisas de impacto internacional e se colocar no mercado de forma internacionalmente competitiva”, conta Gilvânia.

O futuro das pesquisas em spintrônica é promissor, e a professora já visualiza os próximos passos: “para que os computadores continuem progredindo precisamos resolver problemas como o aquecimento indesejado, a miniaturização — já que queremos computadores cada vez menores e com maior capacidade de armazenamento — e a velocidade, uma vez que precisamos de computadores cada vez mais rápidos. Atualmente, nossos esforços em parcerias internacionais estão focados em promover avanços na magnon-spintrônica para que essa tecnologia seja uma realidade na vida das pessoas em um futuro próximo”.

Quanto aos projetos de ensino de ciências, Gilvânia vem desenvolvendo ações em parceria com o programa MIT-Brazil para que possa haver um intercâmbio de estudantes e docentes entre a UPE e o MIT para além das pesquisas científicas. Para Rosabelli Coelho-Keyssar, diretora do programa, “é um prazer poder ajudar Gilvânia, que chegou tão longe com sua pesquisa, a proporcionar a continuidade dessa colaboração tão importante entre o MIT e o Brasil. Todos nós só temos a ganhar com esses projetos. A rede de colaboração só tem crescido, fortalecendo e ampliando a visibilidade para os trabalhos de pesquisadores brasileiros. Além disso, é sempre bom reforçar o trabalho desenvolvido por Gilvânia, mulher e nordestina, para que outras estudantes não tenham medo de se aprofundar nas áreas da ciência, por mais complexas que possam parecer”.

Para o MIT-Brazil Program, este é um momento de celebração e análise do impacto das mais de 80 bolsas dadas desde 2010, quando foi lançada a primeira chamada do programa de fomento à colaboração entre pesquisadores do MIT e do Brasil. As chamadas bolsas dos MIT-Brazil Seed Funds e bolsas do MIT Global Seed Fund, dadas a projetos com o Brasil ao longo do tempo, demonstram que investimentos de mobilidade (passagem e estadia), de até 30 mil dólares, divididos entre os times do MIT e do Brasil, resultam em conquistas significativas. “O valor investido não é alto, mas o retorno desses investimentos é. O relato da professora Gilvânia é um exemplo real dentre muitos”, conta Rosabelli. “Hoje, estamos em um momento de renovação dos MIT-Brazil Seed Funds, buscando novos investimentos para fomentar a criação de ainda mais laços duradouros entre pesquisadores do MIT e do Brasil”.

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