Por Leticia Lewis*

Os debates sobre políticas públicas referentes às plataformas digitais têm crescido no Brasil, principalmente nos últimos meses. Há, porém, um elemento importante que ainda está ausente nessas discussões: a definição do termo “plataformas digitais”. Não se trata apenas de uma questão semântica, pois a não ser que possamos entender sobre quais entidades e quais questões exatamente versam esses debates, é muito difícil direcioná-los para que eles resultem em políticas públicas que permitam que a tecnologia continue servindo como a força motriz do desenvolvimento econômico e social do Brasil.

No Brasil, o termo plataforma digital é comumente usado para fazer referência às empresas que utilizam meios ou canais digitais para servir seus clientes ou seu público-alvo. Algumas vezes, o termo é usado como sinônimo de “aplicações de internet”, que é definido pelo Marco Civil da Internet como “o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet”. Muitas vezes, o termo “plataformas digitais” também é usado para se referir às “Big Techs”, outro termo que não tem uma definição jurídica. Assim, quando se fala sobre “plataformas digitais”, há muita incerteza a respeito do universo de entidades abrangidas.

Entretanto, é importante notar que existem várias diferenças relevantes entre as empresas ou organizações que utilizam meios ou canais digitais para servir seus clientes ou seu público-alvo. Quando se trata de políticas públicas, o reconhecimento desta heterogeneidade é essencial, pois uma abordagem que não considere essas diferenças criaria vários obstáculos para o desenvolvimento do país, já que essas fornecem produtos e serviços que beneficiam todos os setores da economia brasileira.

Existem vários aspectos que diferenciam as empresas que utilizam canais digitais para realizar suas atividades. Tais fatores diferenciadores incluem público-alvo (entidades que têm outras empresas como clientes, entidades que servem consumidores finais, ou entidades que servem os dois públicos), o setor econômico de atuação (financeiro, comunicações, saúde, mídias sociais, aplicações filantrópicas e de cunho social, etc), e o tamanho (micro, pequenas, médias e grandes) das mesmas. É importante que estes aspectos sejam bem compreendidos e considerados quando se pensa em políticas públicas que terão um profundo impacto na economia do país.

Outros países ou jurisdições consideram a heterogeneidade das plataformas digitais para a criação de políticas públicas. A União Europeia, por exemplo, recentemente aprovou o “Digital Services Act” e o “Digital Markets Act”, que fazem referência e alocam responsabilidades mais abrangentes às plataformas grandes ou muito grandes (que atingem mais de 10% da população da União Europeia, ou 45 milhões de usuários). A Austrália, por sua vez, está na fase de regulamentação da legislação denominada “Online Safety Act”, e o governo está trabalhando com o setor privado no desenvolvimento de códigos de conduta que sujeitarão as empresas a obrigações diferentes, a depender do nível de risco que suas atividades apresentam – de acordo com estes códigos de conduta, as empresas que oferecem serviços para outras empresas (B2B) são automaticamente consideradas de “baixo risco”, tendo apenas que observar regras simples. No Reino Unido, em debate oficial sobre a proposta de lei conhecida como “Online Safety Bill”, o seguinte esclarecimento foi prestado pelo parlamento britânico (as Cortes britânicas podem e tem dado força de lei a estes tipos de esclarecimentos): “O ‘Online Safety Bill’ foi designado para ser preciso e proporcional. Empresas que prestam serviços para outras empresas (B2B) não estão no escopo do marco regulatório”.

Ainda que as entidades que realizam suas atividades por meio de canais digitais sejam bem diferentes entre si, é bastante claro que tais canais oferecem muitos benefícios à economia Brasileira. Alguns exemplos incluem:

  • Prestação de Serviços B2B: Canais digitais são utilizados por empresas para oferecer serviços variados que possibilitam que outras empresas ou profissionais autônomos desenvolvam as suas atividades profissionais de forma mais eficiente, aumentando a satisfação de seus clientes e gerando renda que permite a criação de mais empregos no país. Exemplos incluem softwares para uso corporativo que permitem que organizações se comuniquem de forma mais efetiva com seus clientes, como envio de mensagens eletrônicas por consultórios médicos alertando pacientes sobre a aproximação da data para a realização de exames de rotina preventivos, soluções digitais para gerenciamento e atendimento a clientes, entre outros.
  • Comércio Eletrônico: Uma ampla gama de entidades de vários portes que utilizam canais digitais para vender seus produtos diretamente ou por meio de intermediárias de serviços de comércio eletrônico que aumentam de forma considerável as possibilidades de negócios, principalmente para pequenas e médias empresas, facilitando o acesso aos consumidores finais. Ou que fazem vendas online, como a brasileira Magazine Luiza, que é um bom exemplo de empresa que utiliza canais digitais para vender seus produtos diretamente para os consumidores finais, atuando como intermediária e oportunizando que empresas integrem suas ofertas às suas plataformas.
  • Setor Financeiro: Vários bancos e outras instituições financeiras utilizam canais digitais para desburocratizar o acesso ao crédito e a outros serviços bancários, viabilizando a integração e a inclusão de uma grande parte da sociedade brasileira.
  • Saúde: Na área da saúde, além das várias entidades privadas que usam canais digitais para melhorar o atendimento aos pacientes, o governo federal também utiliza tais canais para servir a população brasileira. A plataforma Conecte Sus, por exemplo, facilita o acesso da população aos serviços de saúde e bem-estar oferecidos pelo governo, sem necessidade de deslocamento físico.
  • Entidades sem fins lucrativos que também fazem uso de canais digitais para arrecadar fundos e outras contribuições para projetos sociais e culturais e prestar seus serviços. É o caso, por exemplo, da Fundação Estudar, que contribui para formação de futuras lideranças transformadoras do Brasil e se beneficia de canais digitais para angariar fundos e prestar seus serviços.

Além de considerar a diferença entre as empresas que constituem o ecossistema digital no Brasil, é importante que o debate público, normalmente referenciado como “regulamentação de plataformas”, tenha um foco específico. É essencial que os problemas a serem evitados ou solucionados por políticas públicas que regulamentem o ambiente digital sejam sempre claramente especificados, e que os mesmos não sejam objeto de outras regulamentações já existentes. Não se deve buscar regular as “plataformas”, mas, sim, aspectos específicos, quando a falta de regulação já existente torne necessária a criação de um novo diploma legal.

Por fim, devido à complexidade do tema e ao fato de que o crescimento socioeconômico do Brasil pode ser amplamente afetado por regulamentações que atinjam o ecossistema digital, tais regulamentações precisam ser precedidas de uma ampla discussão com a sociedade. Até porque a regulamentação descomedida pode afetar a vida de tantos brasileiros que dependem delas para trabalhar. Por isso, a ABES se coloca à disposição para contribuir com este importante debate para que tenhamos, cada vez mais, um país mais digital e menos desigual.

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*Líder do Comitê Regulatório da ABES. Profissional sênior de Relações Governamentais/Políticas Públicas, conta com mais de 15 anos de experiência no desenvolvimento e execução de estratégias de defesa de políticas destinadas a aumentar o acesso das empresas ao mercado globalmente por meio de abordagens éticas e inclusivas que beneficiam as economias locais.

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