Por Marcelo Batista Nery* e Fabio Kon**

No âmbito das relações colaborativas, a expressão “estar na mesma página” desempenha um papel fundamental. Essa expressão idiomática reflete o desejo de estabelecer um alinhamento entre indivíduos, compartilhando interesses e objetivos comuns, além da compreensão de uma determinada visão ou interpretação sobre um assunto específico – mesmo que não haja concordância unânime. No âmbito das políticas públicas urbanas, a expressão desempenha um papel crucial na busca por soluções eficazes e sustentáveis.

Para avançarmos efetivamente no campo dessas políticas, é fundamental questionarmos se estamos verdadeiramente alinhados com relação às limitações para um uso adequado e responsável da Tecnologia da Informação (TI) nas cidades. De fato, embora o potencial dessas tecnologias para melhorar a qualidade de vida nas cidades seja amplamente reconhecido, a implementação efetiva enfrenta desafios significativos.

Um desses desafios é a qualidade da informação, uma vez que, em diversos casos, a quantidade de dados disponíveis é considerável, porém, sua condição está longe do ideal. Uma má qualidade dos dados pode levar a conclusões equivocadas, tomadas de decisão inadequadas e, consequentemente, políticas públicas urbanas falhas. Nota-se que, no caso do Aprendizado de Máquina, a precisão e a generalização dos modelos dependem da qualidade e representatividade dos dados, podendo ocorrer subestimação ou superestimação dos resultados; na Estatística Espacial, a disponibilidade e qualidade dos dados geoespaciais podem ser restritas, limitando a análise e interpretação dos padrões espaciais; na extração de evidências científicas, é crucial considerar a propagação de incertezas, bem como possíveis vieses.

Outro ponto importante quando os dados disponíveis são imprecisos, incompletos ou não confiáveis, é o uso de algoritmos de IA e de modelos de análise estatística, visto que podem amplificar preconceitos e desigualdades presentes nos dados, produzir decisões discriminatórias, minar a confiança na informação baseada em ciência e facilitar a propagação de desinformação em larga escala.

A falta de qualidade nos dados e o uso inapropriado dos métodos de análise podem levar a previsões incorretas, insights enganosos e tomadas de decisão inadequadas com impacto social significativo, pois podem levar a uma distorção da realidade, prejudicando o debate público saudável e a tomada de decisões informadas. Portanto, é crucial investir na coleta, processamento e análise de dados de alta qualidade, assegurando a integridade dos dados e a confiabilidade das conclusões científicas que servem como base para a elaboração das referidas políticas. Um particular cuidado com a formação de recursos humanos capazes de efetuar tais análises com qualidade é também fundamental. Aliás, precisamos ir muito além das questões técnicas.

Nota-se a disparidade entre diferentes atores envolvidos nas políticas públicas urbanas, como governos, setor privado, organizações da sociedade civil e comunidades locais. Cada um desses atores (civis, políticos, econômicos, sociais etc.) possui suas próprias perspectivas, interesses e objetivos, o que pode levar a divergências e falta de alinhamento. Para avançarmos de maneira eficaz, é necessário estabelecer um diálogo contínuo e inclusivo, garantindo que todas as partes interessadas estejam representadas e envolvidas no processo de tomada de decisão.

Também é fundamental lembrar a necessidade de desenvolver marcos regulatórios e políticas públicas que orientem o uso da TI nas cidades. A rápida evolução tecnológica muitas vezes supera a capacidade dos sistemas legais e regulatórios de acompanhá-la. É essencial que governos e instituições estejam preparados para adaptar e atualizar suas políticas, garantindo que o uso das tecnologias esteja alinhado com os interesses coletivos e promova a equidade e a sustentabilidade nas cidades.

Em resumo, estarmos na mesma página em relação ao uso das Ciência de Dados e TI nas políticas públicas urbanas é crucial para o avanço das cidades inteligentes, inclusivas, pacíficas, não opressoras e saudáveis. Devemos compreender as limitações atuais, promovendo uma análise mais crítica e robusta das informações geradas. É o momento de buscar um alinhamento mais amplo entre os diferentes atores envolvidos, promovendo um diálogo inclusivo, investindo em capacitação e conscientização, e desenvolvendo marcos regulatórios adequados. Somente assim poderemos aproveitar plenamente o potencial da TI para criar cidades mais eficientes, resilientes e voltadas para o bem-estar de todos.

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*Pesquisador no Think Tank da ABES, coordenador de Transferência de Tecnologia e Head do Centro Colaborador da OPAS/OMS (BRA-61) do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo

**Professor Titular do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de São Paulo, coordenador do projeto de pesquisa colaborativo InterSCity

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