Por: Letícia Piccolotto*

Apesar de esforços do governo em digitalizar serviços públicos, burocracia ainda se faz presente no mundo digital

A importância de priorizarmos de forma estratégica a pauta da inovação no Brasil é cada vez mais evidente e crucial. Ninguém duvida da capacidade de transformação que investimentos em Educação e Infraestrutura podem gerar no Brasil, no entanto segundo dados recentes da FINEP, o incremento de 1% nos gastos em P&D (Pesquisa & Desenvolvimento) pode gerar crescimento adicional no PIB de até 10% enquanto investimentos em Educação e Infraestrutura trazem um retorno incremental de 0,25% e 0,01% respectivamente.

Frente a esse cenário, o evento “GovTech Brasil 2018” apresentou uma série de experiências bem-sucedidas em países como a Estônia, Uruguai, Índia, Israel e China e demonstrou que a digitalização de serviços públicos em diferentes áreas como saúde, educação, segurança pública, identidade digital, entre outras, é uma estratégia extremamente importante para o crescimento econômico e social de uma nação.

A Estônia, por exemplo, foi um dos principais destaques. Apesar de ser um país pequeno, principalmente quando comparado ao Brasil, com apenas 13 milhões de habitantes, definiu como estratégia principal de governo utilizar a tecnologia para combater a pobreza e multiplicou mais de 7 vezes o seu PIB per capita de US$ 2.832 em 1992 para US$ 19.840 em 2017.

Hoje, só existem três coisas que você não pode fazer na Estônia pela internet: casar, divorciar e vender um imóvel. O preenchimento do formulário para cálculo do imposto de renda demora somente quinze minutos, visto que todos os dados estão integrados em um único banco de dados. O ressarcimento do imposto é feito em até três dias úteis. Ou seja, o Brasil precisa aprender muito com essas experiências internacionais bem-sucedidas.

Não só porque precisamos priorizar de fato a promoção de uma agenda digital e atualizarmos as nossas leis para promovermos um arcabouço jurídico mais propício à inovação, mas também porque precisamos desenvolver serviços públicos com total foco no cidadão. Em outras palavras, utilizando do vocabulário das startups, o Governo precisa incorporar metodologias de user experience para a construção das suas políticas públicas e serviços digitais. Precisa entender a dor do cliente e facilitar a vida do cidadão também na internet.

Hoje um dos maiores riscos para a implementação de uma agenda digital efetiva no Brasil é a e-burocracia, ou seja, a substituição da burocracia convencional pela burocracia digital.

O relatório sobre E-government produzido pela ONU analisa e demonstra de forma clara esse problema no Brasil. Apesar de termos uma posição relevante no ranking de países que já digitalizaram serviços públicos e apresentarmos uma quantidade razoável de programas disponibilizados na internet – só o Governo Federal já digitalizou mais de 1.700 políticas públicas – a qualidade desses serviços deixa muito a desejar. O relatório reforça desafios em relação à experiência do usuário, proteção e políticas de privacidade dos dados e eficiência operacional do sistema.

Na prática, existem diversos casos que reforçam esse cenário. Em São Paulo, por exemplo, há dois principais bilhetes de transporte urbano, o bilhete único e o cartão Bom. O bilhete único é emitido pela SPTrans a qual requere um cadastro; o cartão Bom por sua vez é emitido pelo Consórcio Metropolitano de Transportes o qual exige outro cadastro sendo que as informações solicitadas são praticamente as mesmas.

Já quanto ao serviço os dois cartões servem para trens do Metrô e da CPTM, mas o Bom não funciona para ônibus e micro-ônibus municipais e o bilhete único não é válido em linhas Intermunicipais da Região Metropolitana de São Paulo nem no Corredor ABD (São Mateus/Jabaquara e Diadema/Berrini). Ou seja, a digitalização do meio de pagamento não atende a um dos principais requisitos de uma transformação digital eficiente, que é ter a necessidade do cidadão como centro de todas as construções.

Vale lembrar que na contramão dessa burocracia, aplicativos de mobilidade urbana como Uber e outros apresentam a opção de conexão direta com as redes sociais. Os aplicativos privados entendem que os canais de acesso devem ser rápidos e de fácil navegação, com design claro, exigindo o mínimo de informações possível, justamente para facilitar e dar velocidade a identificação e a navegação do usuário.

Outro exemplo é o que acontece no caso do empreendedor que deseja abrir uma empresa na cidade de São Paulo. Hoje, a partir do programa Empreenda Fácil, a boa notícia é que este processo pode ser feito totalmente pela internet, mas em contrapartida, o empreendedor precisa preencher e acessar pelo menos quatro sistemas distintos e repetir os seus dados em muitos deles. Infelizmente o processo digital não reverteu em ganho de tempo e eficiência e o cidadão continua sofrendo, mas agora com a e-burocracia.

O nível de expectativas da população e da experiência digital continuará aumentando. A verdade é que hoje além das compras pela internet ou da entrega de comida pelo aplicativo, também queremos o Governo em um fácil acesso em nosso celular. Esta é uma tendência que não será revertida.

O Brasil tem então dois caminhos – ou nos tornamos protagonistas dessa agenda e a implementamos de forma eficiente e com foco no cidadão ou nos mantemos como o país mais burocrático do mundo, agora também na internet. O risco da e-burocracia não pode ser menosprezado.

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Letícia Piccolotto, fundadora e diretora executiva do BrazilLAB.

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