Fonte: Agência Câmara de Notícias

Na primeira audiência sobre a proposta na Câmara, foram elogiadas regras de transparência instituídas pelo projeto, mas criticada possibilidade de rastreabilidade em serviços de mensagem

 

Deputados destacaram que pretendem aprimorar o Projeto de Lei 2630/20, do Senado, que cria medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais e nos serviços de mensagem privada. A Câmara dos Deputados realizou, a primeira de dez audiências públicas que promoverá sobre a proposta – três delas nesta semana.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o debate que se iniciou no Senado precisa ser ampliado, para se chegar a um texto que garanta a liberdade dos cidadãos, mas que possibilite a punição dos que usam as ferramentas de forma indevida. Ele espera que a Câmara possa construir um texto ainda melhor do que o aprovado no Senado.

A secretária de Comunicação da Câmara, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), também acredita que o texto precisa ser melhorado, mas salientou a necessidade de uma lei sobre o tema ser aprovada. “Precisamos ter regras neste bang-bang que virou a internet”, opinou. Segundo Joice, no Brasil existem verdadeiras redes montadas para destruir reputações.

Conforme ela, “fake news no Brasil dá dinheiro”, por conta das ferramentas de monetização nos serviços. “São pessoas ganhando milhares de dólares para atacar reputações de pessoas com notícias falsas. Temos que fazer com que a disseminação de fake news não seja tão lucrativa. Não podemos, como legisladores, permitir que o crime compense”, disse.

Já a deputada Tabata Amaral (PDT-SP) defende que o debate na Câmara seja baseado no texto já aprovado no Senado. “Temos oportunidade de melhorar o texto”, disse. Além do projeto do Senado, há mais de 50 projetos sobre fake news tramitando na Câmara.

Rastreabilidade

O ponto mais criticado do texto durante o seminário foi o artigo 10, que determina que os serviços guardem, pelo prazo de três meses, os registros dos envios de mensagens encaminhadas em massa – ou seja, os envios de mensagens enviadas para grupos de conversas e listas de transmissão por mais de cinco usuários em um período de 15 dias, tendo sido recebidas por mais de mil usuários.

O acesso aos registros só poderá ocorrer por ordem judicial, quando houver investigação penal sobre o encaminhamento em massa de conteúdo ilegal.

Renata Mielle afirma que a lei deve regular sobretudo comportamentos ilegítimos

 

A representante do Fórum Nacional pela Democratização pela Comunicação Renata Mielle foi umas das que criticou a possibilidade de rastreabilidade de mensagens possibilitada pelo artigo. “Não será medida eficaz, mas vai trazer impactos negativos para a liberdade de expressão, privacidade e segurança dos usuários”, alertou.

Para ela, a lei deve regular sobretudo comportamentos ilegítimos e o uso de poder econômico para viralizar conteúdo ilegal de forma artificial. Para isso, é preciso proibir o uso não identificado de robôs na internet e vedar a comercialização de aplicativos externos de disparos em massa – tal qual já propõe o projeto.

Para a professora da Universidade de Brasília (UnB) Laura Mendes, o artigo é preocupante e ineficaz. “Ele é, por um lado, ineficaz, porque quem quer cometer crimes vai conseguir burlar e, por outro lado, vai permitir o rastreamento de toda a população brasileira, instituindo mecanismo de vigilância e colocando toda a população sob suspeita”, avaliou.

Transparência

Segundo Laura Mendes, para combater a desinformação é preciso instituir regras de transparência para as plataformas e garantir a proteção de dados pessoais. “As pessoas devem saber que não estão conversando com robôs e que determinado conteúdo é pago”, citou, entre as regras de transparências instituídas pelo projeto.

“Se estamos tão preocupados com a desinformação, em primeiro lugar é preciso que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais entre em vigor em agosto deste ano”, acrescentou. Na Câmara, está em análise atualmente a MP 959/20, que adia para maio de 2021 a entrada em vigor dos principais pontos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2018.

A advogada Ana Paula Bialer, que representou no debate a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação, também criticou o artigo 10, por levar à guarda massiva de dados pessoais. Ela chamou a atenção para o risco de exposição desses dados e lembrou que a LGPD determina que se guarde o mínimo de dados pessoais necessários para os serviços.

Princípios gerais

Na visão de Ana Paula Bialer, a lei contra fake news deve ser genérica e principiológica, sem regras específicas para uma ou outra plataforma, o que poderia inviabilizar a inovação. Para ela, a lei deve estimular a auto-regulamentação pelas próprias plataformas. “A premissa não pode ser de que as plataformas não têm a preocupação com o combate a fake news. Isso não é verdade. Estamos todos lutando contra as fake news”, disse. “Remédio demais vira veneno. Menos é mais neste momento”, acrescentou.

O cientista social e advogado Caio Machado também acredita que a lei deve ser principiológica, e não deve existir uma regra específica para o WhatsApp, por exemplo. Machado considera como acertos da proposta as regras de transparência e as regras para uso das redes sociais pelos agentes públicos, o que não existe hoje. “Isto deve ser expandido na lei”, opinou.

Aplicação da lei

Um dos diretores do Instituto LGPD, Ricardo Campos, disse que princípios abstratos não bastam e que as plataformas precisam de regras específicas. Para ele, “a Alemanha é o único país que tem lei que funciona sobre o tema”, e o Brasil deve se mirar nesta lei. Na legislação alemã, há artigo garantindo a revisão da legislação após três anos, para acompanhar a evolução tecnológica.

A coordenadora de Campanhas da Avaaz, Laura Moraes, preocupa-se que sejam fixados parâmetros de enforcement para as plataformas (ou seja, regras que garantam a aplicação efetiva da lei), para que a legislação não seja ineficaz.

Ainda na visão da debatedora, o artigo 12 do projeto pode ser melhorado. O dispositivo determina que os usuários sejam notificados em caso de denúncia ou de aplicação de medida por conta da lei. Ela preocupa-se que seja instituído mecanismo de identificação de usuário por mera denúncia e que todos os usuários sejam tratados como potencialmente criminosos.

Além disso, destacou que isso pode provocar guerra de denúncias. E chamou a atenção ainda para a exclusão digital no Brasil – já que grande parte da população recebe informações por WhatsApp e Facebook, mas não tem acesso a jornais, sites e dados científicos.

Fortalecimento da democracia

No debate, o secretário de Participação, Interação e Mídias Digitais da Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), ressaltou que se trata de um momento de muitas transformações, em que não se pode demonizar as máquinas. Para ele, é preciso valorizar as ferramentas tecnológicas e transformá-las em meios para para ampliar a participação popular e fortalecer as democracias.

O coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos com Participação Popular, deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ), também considera o tema essencial para a democracia, mas lembrou que é complexo, já que não há consenso nem sobre o conceito de fake news, e os próprios legisladores – os parlamentares – são vítimas das notícias falsas.

O coordenador da Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital, deputado JHC (PSB-AL), por sua vez, acredita que o debate foi feito de forma açodada no Senado. Ele ressaltou que os deputados não permitirão brecha para censura e destacou a importância da educação digital para coibir a desinformação.

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