Por Rodolfo Fücher*

O Fórum Econômico Mundial em 2017 colocou que o mundo está entrando na quarta revolução industrial, também apelidada “Transformação Digital”, entre outras designações, na qual ocorre, de forma simplista, a convergência do mundo real com o virtual, onde dados passam a ser o principal vetor dessa revolução, como vapor, energia elétrica, petróleo, aço, entre outros foram para as revoluções industriais passadas.

Diante deste cenário, recentemente a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirmou que a transformação digital pode ser um dos principais “drivers” para a retomada do crescimento da economia brasileira. A razão é simples: o Brasil possui cerca de 160 milhões de usuários de internet, está entre o 4º e o 5º maior mercado do mundo, praticamente empatado com a Indonésia e segundo relatório da HootSuite referente a 2020, o Brasil se destaca também no cenário mundial, como uma sociedade com significativa atividade virtual, é o 2º em tempo de conexão na internet, 3º em número de usuários de Youtube, 4º em Instagram e Linkedln e 5º em Twitter. O Brasil é o primeiro em termos de uso de aplicativos para entrega de comida, com uma penetração de 66.6%, enquanto a média mundial é 55.5%, gerando um faturamento de US﹩ 3.3 bilhões. Outro destaque vai para o e-banking, com uma penetração de 57%, enquanto o mundo está em 38.7%. O relatório aponta ainda uma movimentação de US﹩ 58 bilhões em meios de pagamentos digitais.

Um outro fator importante que vem a contribuir para afirmação da OCDE, foi um artigo do Fórum Econômico Mundial, o qual aponta o Brasil como um dos 5 startup hubs a ser observado além do Vale do Silício, juntamente com Israel, conhecido mundialmente como “Startup nation“. E aqui vai mais uma informação para validar este contexto, segundo a Distrito Dataminer, as startups brasileiras receberam cerca de US﹩ 3,5 bilhões em aportes no ano passado, montante 17% superior a 2019.

Para termos ideia do potencial desta nova economia, denominada “Gig Economy“, criada pelo ecossistema de aplicativos, como Uber, iFood, Airbnb, entre outros, ela é responsável por gerar algum tipo de renda para 57 milhões de americanos, o que representa 36% dos trabalhadores dos EUA.

Porém, toda essa oportunidade está diretamente relacionada ao uso intenso de dados e poderá ser mais ou menos pujante, dependendo da habilidade da atuação da ANPD e demais órgãos envolvidos, em assegurar com extremo bom senso e transparência em suas atividades, com recomendações claras e objetivas, a defesa da proteção de dados com segurança jurídica para cidadãos e organizações, principalmente na aplicação das sanções previstas na LGPD, evitando assim a banalização de ações indenizatórias, que oneram o custo Brasil, afastam investimentos e inibem inovações, sufocando todo esse potencial.

A dimensão do dilema referente a aplicabilidade apropriada da LGPD, pode ser explicada pelo estudo da Clark School da Universidade de Maryland, o qual aponta a ocorrência de um ataque de hacker a cada 39 segundos, e segundo a Forbes, em média 30 mil novos sites são rackeados todos os dias. E o pior de tudo, segundo a McAfee, mais de 65 milhões de novos malwares foram criados apenas no primeiro trimestre de 2019. Esse cenário desafiador, levou a presidente e CEO da IBM, Ginni Rometty, a dizer que o cibercrime é a maior ameaça para todas as empresas do mundo.

Não restam dúvidas de que a melhor defesa é manter-se informado e aprender com as melhores práticas de privacidade e cibersegurança. E o principal papel da ANPD deverá ser a definição destas melhores práticas e educar o mercado, porém devido a um descompasso entre o legislativo e o executivo, corremos o risco de não haver tempo suficiente para fazê-lo adequadamente, antes da entrada em vigor das penalidades em agosto desse ano.

Segundo o Índice LGPD ABES/EY , temos um grande desafio pela frente, apenas 40% das empresas estão preparadas para atender as novas regras definidas pela LGPD. Ainda segundo esse índice, estima-se que 28.5% das empresas tenham sofrido alguma violação nos últimos 2 anos. Quando fazemos um corte por tamanho, empresas com mais de 500 funcionários, o índice de violações sobe para 42%. Outro grande desafio é o custo de implementação da governança em proteção de dados, o IDC estima que as empresas deverão investir cerca de US﹩ 1.9 bilhões em consultoria, segurança, atualização e adequação de sistemas durante o ano de 2021, para se adequarem às exigências da LGPD.

A sociedade está num dilema: de um lado você tem os dados que fomentam a nova economia, a transformação digital, mas por outro lado você tem um dos maiores desafios, o cibercrime. Isso me faz lembrar a fala de John F. Kennedy durante discurso na Rice University, em 1962, no qual ele cita que tecnologia não tem consciência e sim o ser humano que a desenvolve, e obviamente depende dele a aplicação que será dada, para o bem da humanidade ou não. Esse discurso do Kennedy também foi muito bem lembrado pelo presidente da Microsoft, Brad Smith, na abertura do Consumer Electronic Show, em janeiro deste ano. Ou seja, a responsabilidade de proteger a privacidade e segurança dos dados é de todos: quem desenvolve, quem as utiliza, setor privado, governo e da sociedade como um todo.

* Presidente da ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software)

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