Fonte: Itforum
Por Prof. Dr. José Luiz Esteves*
E como isso se dá no contexto da modernização do marco regulatório
O avanço da transformação digital tem provocado mudanças significativas nas práticas de gestão na administração pública, especialmente no âmbito das compras públicas. A modernização das compras públicas tem sido impulsionada pela necessidade de maior eficiência, transparência e accountability.
No entanto, as estruturas de governança tradicionais muitas vezes se mostram inadequadas para lidar com as exigências da era digital: Um dos principais desafios é a resistência à mudança dentro das instituições públicas, que muitas vezes operam com base em procedimentos burocráticos rígidos e pouco flexíveis.
Governança e Burocracia: A burocracia, enquanto mecanismo tradicional de controle e regulação dentro da administração pública, frequentemente entra em conflito com a necessidade de agilidade e inovação proporcionada pela transformação digital. A rigidez dos processos e a cultura de aversão ao risco podem retardar a adoção de novas tecnologias que poderiam trazer melhorias significativas nos processos de compras públicas. Por exemplo, a implementação de sistemas de e-procurement (compras eletrônicas) muitas vezes enfrenta resistência devido à falta de familiaridade com novas ferramentas digitais e à percepção de risco associada à mudança dos sistemas tradicionais.
Capacitação e Competência: Outro desafio reside na capacitação dos servidores públicos: A transformação digital exige um corpo técnico bem treinado e familiarizado com as novas tecnologias e metodologias de gestão. A falta de competência digital dentro das equipes responsáveis pelas compras públicas pode levar a falhas na implementação de sistemas digitais, resultando em ineficiências e até mesmo em riscos para a integridade do processo de compras.
Legislação e Adaptação: A legislação vigente nem sempre acompanha o ritmo das mudanças tecnológicas, criando lacunas e incertezas na aplicação de novas ferramentas digitais no âmbito das compras públicas. A modernização do marco regulatório, como observado com a promulgação da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), busca justamente alinhar a legislação à realidade atual, proporcionando uma base mais sólida para a incorporação de tecnologias digitais que promovam a eficiência e a transparência.
E-Procurement e Transparência: O e-procurement, ou compras eletrônicas, representa um avanço significativo ao digitalizar todo o processo de aquisição de bens e serviços. Essa ferramenta não só reduz o tempo e o custo envolvidos nas compras públicas, mas também aumenta a transparência ao permitir que os processos sejam monitorados em tempo real por auditores e pelo público: Plataformas como o Comprasnet no Brasil, são exemplos de como a tecnologia pode ser usada para centralizar informações e aumentar a competitividade e transparência dos processos licitatórios.
Automação e Inteligência Artificial: A automação e a inteligência artificial (IA) têm potencial para transformar ainda mais as compras públicas. A automação de processos, por meio de Robotic Process Automation (RPA), por exemplo, pode assumir tarefas repetitivas, permitindo que os servidores públicos se concentrem em atividades de maior valor agregado.
Apesar dos benefícios, a implementação de novas tecnologias também traz desafios significativos. Questões relacionadas à segurança da informação, como a proteção contra-ataques cibernéticos, são críticas para garantir a integridade dos sistemas de compras públicas.
Fortalecimento do Compliance e as Boas Práticas na Prestação de Contas: Com o aumento da complexidade dos processos de compras públicas devido à digitalização, surge a necessidade de fortalecer o compliance e as práticas de prestação de contas para garantir a integridade e a eficácia desses processos. O compliance envolve adoção de normas e procedimentos que assegurem que as ações da administração pública estejam em conformidade com as leis, regulamentos e princípios éticos.
Transparência e Acesso à Informação: O fortalecimento da transparência é um dos pilares do compliance nas compras públicas. A digitalização facilita a implementação de sistemas que permitem o acesso público a informações detalhadas sobre processos licitatórios, contratos e execução orçamentária. A Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) é uma ferramenta fundamental nesse contexto.
Auditoria e Controle Interno: A implementação de tecnologias digitais também deve ser acompanhada de um robusto sistema de auditoria e controle interno. Ferramentas como o blockchain têm sido exploradas para garantir a rastreabilidade das transações e a inviolabilidade dos registros, reduzindo a possibilidade de fraudes e aumentando a confiança no sistema de compras públicas. Auditorias regulares e independentes são essenciais para assegurar que os procedimentos sejam seguidos conforme as normas estabelecidas.
Capacitação e Cultura de Compliance: O fortalecimento do compliance também requer a criação de uma cultura organizacional que valorize a integridade e a responsabilidade. Isso pode ser alcançado por meio de programas de capacitação que eduquem os servidores públicos sobre a importância do compliance e das boas práticas de governança. A criação de canais de denúncia e a proteção dos denunciantes são medidas adicionais que podem contribuir para um ambiente mais ético e transparente.
Prestação de Contas e Responsabilidade: Por fim, a prestação de contas é um elemento chave do compliance, garantindo que os gestores públicos sejam responsáveis por suas decisões e ações. A transformação digital oferece novas ferramentas para melhorar a prestação de contas, permitindo que os cidadãos acompanhem de forma mais ativa e informada a gestão dos recursos públicos. Essa transparência ativa fortalece a democracia e aumenta a confiança da sociedade nas instituições públicas.
A modernização do marco regulatório, acompanhada pelo avanço tecnológico, oferece a chance de melhorar significativamente a eficiência, transparência e responsabilidade nos processos de gestão pública. No entanto, o sucesso dessa transformação depende de uma governança adequada, da capacitação contínua dos servidores públicos e do fortalecimento do compliance, assegurando que as inovações tecnológicas sejam utilizadas de forma ética e eficaz.
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*DBA é Pesquisador do Think Tank ABES, com pós-doutorado em Inovação para Sustentabilidade Organizacional/ESG (PPAD/PUCPR 2022) e Doutor em Administração de Empresas. As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, os posicionamentos da Associação.