Por Aristóteles Moreira Filho*

A reforma tributária do consumo se encaminha para deliberação no Senado Federal e é saudada por muitos em nosso país como um ponto de inflexão rumo a um sistema tributário dotado de maior eficiência e racionalidade. Eliminar a cumulatividade dos tributos indiretos é um objetivo legítimo, há muito defendido pelos especialistas e almejado pela indústria. Sua implementação perde, porém, o propósito, quando vem acompanhada de uma sobrecarga tributária sobre processos e segmentos que são centrais para o desenvolvimento da economia brasileira. É necessário alinhar a PEC nº 45/2019 aos interesses estratégicos do sistema produtivo brasileiro, o que, sob o paradigma da economia baseada no conhecimento, significa conferir tratamento adequado aos segmentos que irão assegurar o dinamismo econômico e a expansão da capacidade tecnológica almejados pela economia e pela sociedade brasileiras.

Desde a década de 1960, quando Fritz Machlup cunhou a expressão “economia baseada no conhecimento”, consolidou-se o papel da tecnologia e da informação no incremento da produtividade e, consequentemente, no crescimento e no desenvolvimento dos sistemas econômicos nacionais. Alguns números projetam tal realidade: dados da OCDE indicam uma média superior a 50% para a participação da economia do conhecimento no total do produto interno bruto dos países-membros da organização; desde o fim da década de 1990, em economias como os EUA e a Grã-Bretanha, o investimento em capital intangível, baseado em conhecimento, superou o investimento em capital físico, tangível.

É dentro desse universo macro da economia baseada no conhecimento que sobressai o segmento de tecnologia da informação como um vetor central e estratégico. Abrangendo atividades como o desenvolvimento de softwares e sistemas, plataformas online, computação em nuvem, inteligência artificial, processamento e armazenamento de dados, comércio eletrônico e serviços digitais, o segmento de TI permeia toda a estrutura da economia e as diversas cadeias de valor. Trata-se de segmento que não apenas gera os empregos de maior qualidade e qualificação numa economia pós-industrial, mas também que provê insumos estruturantes, capazes de gerar os maiores impactos na elevação da produtividade dos demais setores da economia.

É dentro de tal contexto que deve ser analisado o impacto que a reforma tributária aportará à tributação indireta incidente sobre o segmento de tecnologia da informação.

O desempenho recente do segmento no país já fez o Brasil cair, quanto ao tamanho do mercado, do 9º lugar em 2020 para o 14º em 2022 no ranking internacional. Entre os seis principais mercados de TI da América Latina, o Brasil foi o único que reduziu sua dimensão entre 2020 e 2022, de 44% para 36% de participação.

Se esses indicadores já fazem acender um alerta para a perda de competitividade do setor, com mais preocupação deve ser tomada a perspectiva de aumento da carga tributária que traz consigo o texto da PEC nº 45/2019, na forma aprovada pela Câmara Federal. De fato, tomando-se a alíquota estimada em estudo do IPEA para o conjunto da nova tributação sobre valor agregado (IBS e CBS), uma atividade de prestação de serviços de TI teria a carga tributária atual elevada para cerca de 28,04%, sendo que hoje, no pior cenário, essa carga não ultrapassa 14,25% (ISS e PIS/Cofins); ou seja, resultando em um impacto que, no mínimo, duplica a carga tributária incidente.

Os riscos para a economia brasileira ficam ainda mais claros quando considerada a escolha que estamos fazendo vis-à-vis a realidade dos nossos competidores no cenário internacional.

A China, que é a economia emergente que tem sido mais eficiente no catching-up das economias desenvolvidas e que desponta como liderança potencial nos diversos segmentos intensivos em tecnologia, implementou recentemente uma reforma ampla na sua tributação sobre valor agregado e o fez concedendo tratamento diferenciado ao segmento de TI, condizente com o status estratégico que passou a atribuir a esse setor de mercado. Enquanto as transações em geral são sujeitas a uma alíquota básica de 13%, as transações promovidas no segmento de tecnologia da informação estão submetidas a uma alíquota especial de 6%, numa redução de mais de 50%.

Mesmo nos países em que o segmento de TI não goza de tratamento específico, via alíquota reduzida, a carga fiscal aplicada é significativamente inferior àquela prenunciada para o futuro IVA brasileiro. Assim é que, por exemplo, com uma alíquota de 18% na Índia, 19% no Chile e 16% no México, o IVA aplicado ao setor de TI nesses países, como ocorre na média internacional, não apenas é inferior à soma dos nossos IBS e CBS, como equivale precisamente ao que seria uma alíquota reduzida desse futuro IVA brasileiro.

Por fim, o dogma de uma tributação uniforme sobre valor agregado não deve servir de justificativa para se negar tratamentos tributários específicos, condizentes com as particularidades de determinados segmentos da economia. A convivência de distintas faixas de alíquota é lugar comum nos regimes IVA em todo o mundo, sendo simbólico o exemplo da União Europeia, que, tomada como modelo para a reforma tributária brasileira, prevê até três faixas de alíquotas e, no Anexo III da Diretiva IVA, uma lista ampla de mercadorias e serviços passíveis de tributação via alíquotas reduzidas.

Bem-aventurada seja a reforma tributária do consumo, mas que traga uma formatação compatível com as aspirações do setor e da economia brasileira. Não se trata de tributação favorecida, mas sim de um tratamento que, guardando comparabilidade com a prática internacional, seja adequado a um segmento estratégico para a competitividade e as perspectivas de futuro da economia e da sociedade brasileiras.

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*Pesquisador do Think Tank ABES, Advogado, Doutor em Direito pela USP e autor do livro “Direito da Inovação: Tributação, Tecnologia e Desenvolvimento”, publicado pela editora Quartier Latin (2023).

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