Fonte: Agência FAPESP

Desenvolvida por pesquisadores da USP em Piracicaba, metodologia não invasiva facilita a identificação de sementes imaturas ou de má qualidade, sem destruir os produtos ou gerar resíduos (sementes de cenoura; foto: John Alan Elson/Wikimedia Commons)

Pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), ambos da Universidade de São Paulo (USP), desenvolveram uma metodologia baseada em inteligência artificial que permite automatizar e tornar mais eficiente o processo de análise da qualidade de sementes – que é exigido por lei e, atualmente, feito de forma manual por analistas credenciados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

O grupo empregou tecnologias baseadas em luz – já usadas em análise de plantas e em áreas como a cosmética – para a aquisição de imagens das sementes. Em seguida, recorreu a técnicas de aprendizagem de máquina para automatizar o processo de interpretação das imagens. Desse modo, foi possível minimizar algumas das dificuldades encontradas nos processos tradicionais. Por exemplo, para muitas espécies, a nova tecnologia pode ser aplicada a todo o lote de sementes e não apenas a amostras, como se faz hoje. Além disso, por não ser invasiva, evita destruir os produtos avaliados e gerar resíduos.

Na pesquisa, os cientistas usaram duas tecnologias baseadas em luz para obtenção das imagens, a fluorescência de clorofila e a reflectância multiespectral, utilizando como modelo sementes de tomate e de cenoura produzidas em diferentes países e épocas e submetidas a condições distintas de armazenagem. No caso do tomate, foram utilizados os cultivares comerciais Gaúcho e Tyna, produzidos no Brasil e nos Estados Unidos. Para a cenoura, foram escolhidos os cultivares Brasília e Francine, produzidos no Brasil, Itália e Chile.

A escolha se baseou na importância econômica desses alimentos, cuja demanda já é grande em todo o mundo e segue em expansão, além das dificuldades que os produtores encontram na colheita das sementes. Como esses cultivos não apresentam uniformidade no processo de maturação dos frutos, e consequentemente das sementes, os produtores precisam fazer a colheita em parcelas, o que é muito oneroso. Entretanto, ainda existe uma grande dificuldade na obtenção de lotes uniformes, pois a presença de sementes imaturas não é facilmente detectada por métodos visuais. As técnicas baseadas em visão de máquina podem minimizar esse problema.

Os pesquisadores compararam os resultados obtidos nas análises não destrutivas com os das avaliações aplicadas às sementes pelos métodos tradicionais: o teste de germinação, obrigatório por lei, e o de vigor. No primeiro, analistas separam amostras de sementes, as colocam para germinar em condição favorável de temperatura, água e oxigênio e verificam a quantidade final de plântulas, ou plantas jovens, normais, produzidas de acordo com as regras estabelecidas pelo Mapa. Já os testes de vigor são complementares e mais sofisticados. Os mais comuns se baseiam na resposta da semente a condições de estresse e parâmetros de crescimento das plântulas.

Além das dificuldades já citadas, os métodos tradicionais são mais demorados. No caso do tomate e da cenoura, por exemplo, pode levar até duas semanas para obtenção dos resultados. Além disso, a análise é bastante subjetiva, pois depende da interpretação de cada analista. “Nossa proposta é automatizar ao máximo o processo, usando fluorescência de clorofila e imagens multiespectrais para analisar a qualidade das sementes, superando esses gargalos”, destaca Clíssia Barboza da Silva, pesquisadora do Cena-USP e uma das autoras do artigo Integrating Optical Imaging Tools for Rapid and Non-invasive Characterization of Seed Quality: Tomato (Solanum lycopersicum L.) and Carrot (Daucus carota L.) as Study Casespublicado na Frontiers in Plant Science, um dos principais periódicos científicos internacionais na área da agricultura. Ela também é a pesquisadora responsável pelo projeto, apoiado pela FAPESP.

A autora principal do artigo é Patrícia Galletti, que desenvolveu a pesquisa durante seu mestrado e recebeu, em 2019, o prêmio Best Poster Award no 7º Congresso de Sementes das Américas, quando apresentou resultados parciais do projeto (leia mais em: agencia.fapesp.br/32094/).

Clorofila como marcador de qualidade

A clorofila está presente na semente, onde ajuda a fornecer energia para o armazenamento de nutrientes (lipídios, proteínas e carboidratos) importantes para o desenvolvimento. Cumprida essa função, a clorofila se degrada. “Porém, quando a semente não completa o processo de maturação, resta clorofila não degradada em seu interior. Quanto menos clorofila residual, mais avançada a semente está no processo de maturação, mais nutrientes ela tem e maior a qualidade. Se há muita clorofila, ocorre o inverso: a semente ainda está imatura e tem menor qualidade”, relata.

Como explica a pesquisadora, a clorofila é altamente fluorescente, ou seja, ela tem capacidade de emitir luz quando exposta a radiações com comprimentos de onda específicos. Isso ocorre porque a energia proveniente da luz que incide na amostra de sementes não é totalmente aproveitada, sendo uma parte perdida por fluorescência. O uso de luz nos comprimentos de onda da faixa do vermelho é eficiente na promoção da excitação da clorofila, que se torna fluorescente. Essa luz que “sobra” é, então, capturada pelo equipamento, que a converte num sinal elétrico e gera uma imagem cujos pixels em tons de cinza variam do branco para o preto. Os tons mais brancos indicam que as sementes possuem maior quantidade de clorofila, que emitiu fluorescência ao ser submetida à luz vermelha. Isso significa que mais imatura ela está e a chance dessa semente não germinar é consideravelmente maior.

Inteligência artificial

A outra tecnologia para a qual os pesquisadores desenvolveram uma metodologia aplicável à análise da qualidade de sementes é a reflectância multiespectral. Os LEDs do equipamento emitem luz em comprimentos de onda na faixa visível e não visível ao olho humano (ultravioleta e infravermelho próximo). Para a pesquisa com reflectância visando a análise de qualidade, os cientistas utilizaram 19 comprimentos de onda. Quando comparado com os dados de avaliação de qualidade feitos por métodos tradicionais, observaram que os melhores resultados foram obtidos com o infravermelho próximo no caso das sementes de cenoura e com o ultravioleta para as de tomate.

As sementes têm proteínas, lipídios e açúcares que absorvem parte da luz emitida pelos LEDs e refletem outra parte. A luz refletida é capturada pelo equipamento, que registra a imagem. Esta passará por uma segmentação, que consiste na separação das sementes do suporte onde estão posicionadas no equipamento. Nesta técnica, o suporte se transforma em pixels de valor zero e tem a cor preta e a imagem da semente é gerada em escala de cinza. O valor dos pixels que compõem uma semente está relacionado com a sua composição química. “Não trabalhamos apenas com um resultado médio da amostra, conseguimos fazer a extração individualizada, de cada semente”, destaca a pesquisadora.

“Quanto maior a concentração de um determinado nutriente na semente, menos vai ser refletido em um comprimento de onda específico, porque ela terá mais desse nutriente absorvendo aquela luz. Quando ela tem menos nutrientes, significa que existem menos moléculas para absorver a luz, então a reflectância vai ser maior, mas isso irá variar de acordo com o componente presente, que apresenta um comportamento distinto conforme o comprimento de onda utilizado”, explica. Um algoritmo consegue identificar o comprimento de onda que obtém o melhor resultado. O processo oferece informações sobre a composição química da semente, o que permite inferir se ela é de alta ou baixa qualidade.

Na avaliação dos pesquisadores, chegar à etapa de obtenção das imagens não era o suficiente, pois isso ainda é uma operação que requer a observação humana. “Então utilizamos a quimiometria, um conjunto de métodos estatísticos empregados para a classificação de materiais de origem química. A ideia era que o equipamento nos oferecesse a classificação da qualidade com base na imagem que ele mesmo registrou”, conta. Os métodos aplicados pelos cientistas nesse estudo são muito usados na área médica e de alimentos.

Eles usaram, então, a aprendizagem de máquina para testar os modelos que criaram com base nos métodos quimiométricos. “Ensinamos para o modelo o que é semente de alta e baixa qualidade. Pegamos 70% dos nossos dados para treinar o modelo e os 30% que ficaram de fora serviram para a validação”, comenta. Para o tomate, a identificação correta da qualidade das sementes variou de 86% a 95%. Para a cenoura, de 88% a 97%.

Além do alto nível de acerto, os pesquisadores destacam que ambas as tecnologias agilizam a execução de análises porque é possível capturar as imagens muito rapidamente. No equipamento de fluorescência de clorofila, o tempo de captura de imagem é de um segundo. São cinco segundos para capturar 19 imagens no equipamento com tecnologia multiespectral.

Resultados inesperados

Durante o desenvolvimento do projeto, um achado inesperado se mostrou muito relevante. As tecnologias de fluorescência de clorofila e multiespectral também são úteis para o processo de separação de cultivares. Trata-se de uma operação essencial para avaliar um lote de sementes e evitar prejuízos econômicos. “O produtor pode comprar um lote de sementes esperando que as plantas apresentem um determinado desempenho, mas, se as sementes com características genéticas diferentes não forem bem separadas, a produção será impactada”, esclarece. Atualmente, isso é feito por analistas bem treinados para verificar padrões que podem ser usados para fazer a separação (cor, forma e tamanho da semente e, quando possível, marcadores moleculares).

Para a cenoura, ambas as tecnologias usadas na pesquisa se revelaram eficazes na separação de cultivares. Já para o tomate, a tecnologia multiespectral não funcionou bem, enquanto a fluorescência apresentou boa eficácia. “Nosso estudo traz resultados inéditos com relação ao uso dessa tecnologia para separação de cultivares. Não encontramos registro de pesquisas que tenham utilizado a fluorescência com essa finalidade”, comemora. “Já em relação à reflectância, existem alguns trabalhos que mostram que ela é eficiente para fazer a separação de cultivares, mas não com o equipamento que utilizamos”, prossegue.

Uso compartilhado

Para Barboza da Silva, uma forma de transferir o conhecimento produzido na pesquisa para o setor produtivo é ter empresas desenvolvendo os equipamentos para serem vendidos aos produtores de sementes. “Seria possível, com os resultados da nossa pesquisa, desenvolver um equipamento que use somente luz ultravioleta para caracterizar a qualidade da semente de tomate e lançar no mercado, por exemplo.”

Os três equipamentos utilizados no estudo estão hoje disponíveis a pesquisadores de outras instituições no Cena-USP, por meio do sistema multiusuários. O de fluorescência foi criado especificamente para essa pesquisa. A fabricante detém tecnologia para análise de planta e customizou o equipamento para fazer a análise de semente. Mais informações em: www.cena.usp.br/pesquisa/emu/multiusuario7.

Para solicitar a utilização do equipamento de análise multiespectral acesse: www.cena.usp.br/pesquisa/emu/multiusuario8.

Os pesquisadores também adquiriram um equipamento de radiografia para poder observar o interior das sementes e confirmar a presença ou não, bem como a extensão, de tecidos especializados no armazenamento de nutrientes. Esse equipamento pode ser reservado pelo endereço www.cena.usp.br/pesquisa/emu/multiusuario9. O estudo também contou com apoio da FAPESP por meio dos projetos: 18/03802-418/03793-518/01774-318/24777-8 e 18/03807-6.

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