Fonte: Unesp
Pesquisadores de algumas das maiores universidades do país lançaram o Instituto Avançado para Inteligência Artificial (AI2) com o intuito de fomentar a confluência de interesses e a pesquisa conjunta entre a academia e o setor privado. O workshop, realizado no Núcleo de Computação Científica (NCC) da Unesp, no campus da Barra Funda, em São Paulo, reuniu pesquisadores que atuam em inteligência artificial, e abriu espaço para que potenciais parceiros do setor empresarial possam apresentar oportunidades de colaboração com o grupo.
Um dos principais objetivos do instituto será fornecer uma estrutura organizacional simples e eficiente para dar autonomia e segurança aos pesquisadores no relacionamento com o setor privado, respeitando os contornos da atividade acadêmica. Com o AI2, a iniciativa privada terá um ponto de acesso a talentos altamente qualificados do meio acadêmico que dominam as áreas de inteligência artificial, aprendizado de máquina, big data, robótica, etc.
O AI2 servirá como facilitador e fomentador do desenvolvimento de projetos inovadores que utilizam os avanços da tecnologia digital para promover ações de impacto socioeconômico. Os projetos a serem envolvidos devem atender, ao mesmo tempo, o interesse da iniciativa privada e do meio acadêmico, procurando trazer benefícios diretos ou indiretos para a sociedade e buscando influenciar a criação de políticas públicas para o desenvolvimento da área. Vários países já introduziram uma política de estado nessa área estratégica e o presente atraso do Brasil pode comprometer não apenas o desenvolvimento econômico, mas até mesmo a soberania nacional no futuro próximo.
O AI2 terá uma rede de espaços de coworking, conectados por um sistema de videoconferência persistente, que fornecerá o meio para uma interação efetiva entre os pesquisadores e desenvolvedores atuantes nas diferentes áreas de aplicação da AI.
O AI2 não terá fins lucrativos e prezará pela transparência, inclusão e transversalidade de suas ações. O instituto fomentará a formação de pessoal qualificado na área e promoverá discussões sobre a ética do emprego da inteligência artificial e o seu impacto na sociedade. Advanced Institute for Artificial Intelligence – Email: ai2@advancedinstitute.ai
Para colaborar no entendimento do que é inteligência artificial e qual o propósito da criação de um centro sobre o tema, a equipe da UNESP elaborou este conjunto de perguntas e respostas a seguir:
O que é inteligência artificial? Qual sua importância para a sociedade hoje e como ela poderá contribuir para o desenvolvimento da sociedade no futuro?
A inteligência artificial (IA) foi sempre associada a soluções capazes de fazer máquinas aprenderem e executarem tarefas utilizando como norte o raciocínio humano. Hoje em dia, o termo abrange diferentes áreas, que incluem aprendizado de máquina, visão computacional, processamento de linguagem natural, reconhecimento de voz e imagem, e robótica. O caráter transversal da IA fornece ferramentas para abordar uma ampla variedade de problemas de forma rápida e otimizada, o que permite trazer melhorias para a sociedade. O impacto dos recentes avanços em IA tem sido enorme, com aplicações em veículos autônomos, diagnóstico médico, assistência física a deficientes e idosos, segurança pública, entre muitos outros. As técnicas de IA, associadas à abundante quantidade de dados digitais (big data) e ao poder de processamento da computação na nuvem (cloud computing), já estão tendo um enorme impacto na nossa sociedade e esse impacto só tende a aumentar. Tal impacto deverá motivar a elaboração de novas políticas públicas.
Como surgiu a ideia de criar o AI2 e qual seu principal objetivo?
As técnicas de IA vêm sendo cada vez mais utilizadas na pesquisa científica realizada tanto nas universidades quanto fora delas. Tem se tornado cada vez mais importante promover o envolvimento de pesquisadores da área, em conjunto com o setor privado, para explorar aplicações que possam ter impactos socioeconômicos relevantes. Em discussões com pesquisadores da área e com representantes de algumas empresas privadas ficou claro que a proposta vem atender a demandas de ambos os setores e da sociedade como um todo. Hoje contamos com pesquisadores de oito universidades no estado de São Paulo, e a iniciativa está aberta para qualquer instituição brasileira ou mesmo do exterior.
Qual a importância de um instituto como esse?
Temos visto que grandes potências como China, Estados Unidos, Reino Unido, França, Canadá e Japão têm investido pesadamente em IA por entenderem que ela é uma ferramenta-chave para o desenvolvimento desses países no futuro próximo. A área está adquirindo cada vez mais importância e terá enorme impacto no desenvolvimento econômico, social, científico e na própria segurança, independência e soberania nacionais. Reconhecendo esse fato, vários países já adotaram políticas de estado visando impulsionar a área. A China, por exemplo, tem planos de investir 1 trilhão de dólares até 2030 em IA para garantir a liderança mundial. Recentemente a Comissão Europeia anunciou um plano coordenado para a Inteligência Artificial e foi criado o European Lab for Learning and Intelligent Systems (Ellis) por iniciativa de pesquisadores que atuam na área. Por outro lado, não me parece que o Brasil tenha se dado conta da importância estratégica da Inteligência Artificial e de áreas congêneres.
Deixar de acompanhar de perto o estado-da-arte será provavelmente um caminho sem volta, da mesma forma que nosso atraso na área de semicondutores jamais conseguiu ser superado. O AI2 tem a esperança de poder contribuir para esse desenvolvimento, criando um espaço para fomentar a confluência dos interesses e da expertise do setor acadêmico com a agenda do setor privado.
Quais os principais objetivos do AI2?
Em primeiro lugar, prover para a iniciativa privada um ponto de acesso a talentos altamente qualificados do meio acadêmico que trabalhem em IA. Por outro lado, fornecer uma estrutura organizacional que dê autonomia aos pesquisadores na negociação com empresas do setor privado. Vale lembrar que a proposta não tem fins lucrativos. Todo aporte financeiro será utilizado no recrutamento de recursos humanos, organização de eventos, mobilidade de pesquisadores e, eventualmente, aquisição de software ou hardware. Queremos servir como facilitadores e fomentadores da criação de grupos de pesquisa, e possivelmente startups, que estejam envolvidas com a chamada Digital Social Innovation, atividades inovadoras que utilizam os avanços da tecnologia digital para promover ações com relevância e impacto socioeconômicos.
Nossa ideia é desenvolver projetos complexos e relevantes que envolvam a pesquisa acadêmica e que, ao mesmo tempo, contemplem os interesses da iniciativa privada, gerando frutos para a sociedade, quer sob a forma de novas atividades econômicas ou influenciando políticas públicas. No entanto, a iniciativa não está restrita a parcerias apenas com empresas privadas, mas projetos e patrocínios vindos de empresas públicas e agências de fomento são muito bem-vindos. Além disso, estamos nos preparando para enfrentar desafios éticos inerentes como, por exemplo, o que diz respeito à segurança dos dados e privacidade de usuários, e o direito à igualdade de oportunidades.
A ideia é que o AI2 seja um instituto virtual ou ele terá uma sede?
O modelo que estamos implantando envolve essencialmente uma rede de espaços de coworking nas instituições participantes, ou mesmo fora delas, conectados através de um sistema de videoconferência persistente. Esse espaço compartilhado irá permitir a convivência cotidiana de pesquisadores (estudantes de pós-graduação, pós-doutores, técnicos especializados, etc.) que estarão trabalhando em projetos distintos e trocando continuamente as suas expertises. Isso é benéfico a todos, uma vez que as ferramentas de IA empregadas nos projetos são as mesmas, mesmo que as aplicações sejam muito distintas. Por exemplo, técnicas aplicadas à visão computacional podem tanto servir para distinguir dois jatos de hádrons em um detector de partículas elementares, como identificar a placa e modelo de um carroroubado, ou então detectar preventivamente uma doença que está se instalando no paciente, como um câncer de pulmão ou um descolamento de retina.
Por outro lado, os professores que atuarão como mentores dos projetos com o setor privado permanecerão em suas instituições de origem, ao mesmo tempo que as empresas e demais parceiros continuam atuando em suas respectivas sedes. O ingrediente novo é exatamente esse espaço compartilhado entre o meio acadêmico e empresarial, no qual ocorrerá a efetiva interação entre ambos os lados, trazendo os benefícios óbvios da transversalidade dos métodos e a interdisciplinaridade dos objetivos.
Com esse sistema integrado de videoconferência persistente, abrimos as portas também para que pesquisadores e desenvolvedores das empresas participem ativamente dos projetos, facilitando os processos de transferência e consolidação do conhecimento.
Em quais áreas o AI2 pretende atuar? Quais projetos, por exemplo, o AI2 pretende desenvolver?
Os pesquisadores do AI2 atualmente atuam em três frentes. Uma delas está relacionada à pesquisa básica, na qual se insere a física de altas energias. Temos também aplicações para o chamado “mundo real”, como a engenharia do petróleo, auxiliando por exemplo na identificação de situações de risco ao ser humano em plataformas de extração de petróleo.
Por último, temos um especial apreço pela área da robótica, uma vez que reconhecemos o potencial que essa área tem na produção industrial, bem como a capacidade de melhoria na qualidade de vida das pessoas. Todos os projetos que são apresentados em nosso site já vêm sendo desenvolvidos, com o suporte financeiro de parceiros privados. Caberá ao AI2 impulsionar, ampliar e direcionar as atividades que já vem sendo desenvolvidas pelo grupo, agregando novos pesquisadores e novas empresas interessadas e criando um mecanismo para agilizar essa interação.
Quais será o formato jurídico e fiscal que dará suporte à iniciativa do AI2?
Em primeiro lugar temos que preservar alguns parâmetros básicos, como transparência, transversalidade e “leveza burocrática”. Precisamos ser ágeis para não sobrecarregar os pesquisadores, sempre mantendo o devido respaldo jurídico. Acreditamos que as novas diretrizes estabelecidas pelo Decreto Paulista de Inovação venham ao encontro de nossa proposta. O decreto, que regulamenta a Lei de Inovação Tecnológica, abre a possibilidade de criar Fundações de Apoio que passam a ter um papel central nas relações da universidade com o setor privado e fornece segurança jurídica no desenvolvimento de projetos de pesquisa conjuntos e na transferência de tecnologia e no trato da propriedade intelectual.
O reconhecimento da cooperação acadêmica e técnico-científica entre os entes público-público e público-privado pode facilitar a agregação de diferentes instituições acadêmicas públicas – estaduais e federais – e privadas. O decreto, que foi promulgado há pouco mais de um ano, regulamenta o compartilhamento de capital intelectual, laboratórios e equipamentos existentes nas universidades. Ele também fornece um maior respaldo jurídico em relação às empresas que por ventura possam surgir como resultado das atividades conjuntas. Como estímulo aos pesquisadores, eles poderão participar dos resultados das parcerias, como no caso de licenciamentos de tecnologias dotadas de apelo mercadológico, tornando-se sócios quotistas ou acionistas das empresas criadas.
Quais serão os próximos passos do AI2?
Com a realização desse “kickoff workshop” devemos estabelecer um modelo de gestão que seja o mais enxuto possível, atendendo às demandas deliberativas, executivas e fiscais estabelecidas pelo Decreto Paulista de Inovação. Vamos também procurar agregar novos pesquisadores para ampliar nosso leque de competências e, ao mesmo tempo, atrair novos parceiros privados que compartilhem de nossa visão e valores e tenham interesse em explorar o potencial intelectual existente na universidade.