Fonte: It forum
Por Darci de Borba*

Estratégia dos EUA prioriza domínio tecnológico e desburocratização, mas desafia valores democráticos e equilíbrio geopolítico da IA

 

America’s AI Action Plan, (s.d.), publicado pela Casa Branca em julho de 2025, sob a gestão do presidente Donald J. Trump delineia uma agenda nacional ambiciosa para assegurar a supremacia tecnológica dos Estados Unidos na era da inteligência artificial (IA). Estruturado em três pilares—Inovação, Infraestrutura e Diplomacia e Segurança Internacional—, o documento propõe um conjunto de ações regulatórias, tecnológicas e geopolíticas voltadas ao fortalecimento do ecossistema de IA no país. Esta análise crítica busca destacar os principais eixos estratégicos, suas implicações para o cenário internacional e o impacto sobre os valores democráticos e regulatórios no campo tecnológico. 

O Plano de Ação reconhece a IA como o novo motor de transformação industrial, informacional e cultural, elevando-a à condição de prioridade de segurança nacional. Segundo o documento, a liderança americana no setor é crucial para moldar padrões globais, garantir soberania tecnológica e impedir o avanço de potências concorrentes—particularmente a China. 

A retórica do plano revela uma abordagem claramente nacionalista, associando a IA ao destino econômico e militar dos Estados Unidos. A promessa é de uma “renascença tecnológica” baseada na aceleração científica, geração de empregos e proteção de valores considerados intrinsecamente americanos, como a liberdade de expressão. 

Pilar I: Acelerar a inovação em IA 

O plano rejeita regulações consideradas “onerosas”, revogando ordens executivas anteriores que buscavam impor governança e responsabilidade algorítmica. Defende-se um ambiente de livre mercado, em que empresas são incentivadas a inovar com mínima interferência estatal.

O incentivo a modelos open-source e open-weight é justificado tanto por razões de inovação quanto por vantagens geoestratégicas, promovendo padrões fundados em “valores americanos”. Há uma crítica explícita a princípios como diversidade, equidade e inclusão, que são retirados do framework de risco do NIST. 

Reconhecendo os efeitos disruptivos da IA no mercado de trabalho, o plano propõe requalificação de trabalhadores, com foco em formação técnica e capacitação rápida para setores impactados. Aponta-se para o fortalecimento de currículos em colégios militares e escolas técnicas.

O plano ainda prevê ampla adoção de IA em órgãos federais, com destaque para mecanismos de interoperabilidade entre agências, uso de modelos linguísticos nos serviços públicos e automação de processos no Departamento de Defesa.

Pilar II: Construir infraestrutura de IA

A IA é apresentada como uma tecnologia intensiva em energia, exigindo um salto na infraestrutura energética. O plano propõe simplificação de licenciamentos ambientais, uso de terras federais para construção de datacenters e rejeição de “dogmas climáticos”.

Há um apelo à restauração da manufatura nacional de semicondutores, com investimentos públicos e desoneração de exigências regulatórias, a fim de consolidar a autonomia tecnológica frente a ameaças externas.

O plano articula estratégias robustas de cibersegurança e resiliência de sistemas críticos, com a criação de centros de dados seguros para uso militar e programas para o desenvolvimento de IA segura e auditável, voltada à proteção de infraestruturas sensíveis.

Pilar III: Diplomacia e segurança internacional em IA

Propõe-se uma ofensiva diplomática para exportar todo o stack tecnológico americano aos países aliados, reforçando a dependência global em relação às soluções dos EUA e afastando parceiros de tecnologias oriundas da China.

O plano reforça a vigilância sobre exportações de chips e semicondutores, incluindo a adoção de mecanismos de verificação geográfica, controle de subcomponentes e penalizações a países que não aderirem às sanções tecnológicas.

Posiciona-se contra códigos de conduta “vagos” e defende a ocupação de espaços em organismos internacionais para moldar padrões de governança da IA em consonância com os interesses estratégicos dos EUA.

Considerações Críticas

O America’s AI Action Plan do governo Trump estabelece um conjunto de iniciativas robustas visando a liderança global dos EUA em IA, com ênfase em inovação, infraestrutura e segurança internacional. Do ponto de vista global, o plano pode acirrar a competição tecnológica entre Estados Unidos e China, especialmente ao propor medidas de controle de exportação de semicondutores e infraestrutura crítica para IA, o que pode levar à fragmentação do mercado global (Nanni et al., 2024). Ao priorizar modelos de IA que preservem valores americanos como liberdade de expressão e transparência, o plano pode reforçar padrões globais alinhados à visão norte-americana, reduzindo a influência chinesa em organismos internacionais de governança tecnológica.

Para o Brasil, o impacto do plano pode ser ambíguo. Por um lado, o fortalecimento dos controles de exportação e as iniciativas de diplomacia tecnológica sugerem um maior alinhamento dos países aliados e parceiros aos padrões tecnológicos norte-americanos. Nesse sentido, o Brasil poderia se beneficiar ao receber apoio em infraestrutura, treinamento de força de trabalho e acesso a modelos abertos e tecnologias americanas. Por outro lado, o Brasil poderia enfrentar dificuldades se optar por manter uma postura mais independente, particularmente em relação à adoção de tecnologia chinesa em áreas críticas como telecomunicações e infraestrutura energética, já que medidas protecionistas do plano dificultariam tal abordagem (DePaula et al., 2024).

Contudo, a estratégia de desburocratização e aceleração da inovação prevista pelo plano também abre oportunidades para o Brasil acelerar sua própria agenda tecnológica. Caso o país decida aderir a padrões abertos e frameworks apoiados pelos EUA, poderia usufruir de um maior intercâmbio de dados científicos e acesso a infraestruturas avançadas. Além disso, ao incentivar a capacitação profissional em IA como um tema central, o plano pode motivar iniciativas semelhantes no Brasil, aumentando a empregabilidade e competitividade dos trabalhadores brasileiros no cenário internacional.

O America’s AI Action Plan representa um marco importante na formulação de políticas nacionais de inteligência artificial, refletindo uma abordagem centrada na competição geopolítica, no fortalecimento da soberania tecnológica e na aceleração industrial. No entanto, seu êxito dependerá da capacidade de equilibrar inovação com responsabilidade social, soberania com cooperação internacional, e crescimento com sustentabilidade. A experiência americana pode oferecer lições valiosas ao Brasil e a outras nações em desenvolvimento, mas deve ser lida criticamente, especialmente no que se refere à proteção de direitos fundamentais, à regulação democrática da tecnologia e ao papel do Estado como garantidor do bem público.

Por fim, uma possível consequência negativa do plano seria o aumento do hiato tecnológico entre países alinhados diretamente aos EUA e aqueles que buscam uma neutralidade estratégica, como o Brasil historicamente tem feito. Uma adoção rigorosa de controles tecnológicos por parte dos EUA pode restringir as opções estratégicas do Brasil, pressionando o país a tomar decisões diplomáticas mais explícitas quanto à adoção tecnológica e alinhamento geopolítico. Nesse sentido, será crucial para o Brasil definir estratégias claras de cooperação tecnológica e avaliar os custos e benefícios de aderir às normas e padrões promovidos pelo plano. Apesar da coerência interna e da ambição estratégica, o plano levanta preocupações importantes.

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*Pesquisador do Think Tank da ABES, técnico de planejamento e pesquisa no Ipea, Doutor em Administração na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e Mestre em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, os posicionamentos da Associação. 

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