
Por Victor Lima* e Yuri Poyares**
A economia digital consolidou o software como um dos principais ativos estratégicos das empresas, independentemente do setor. Programas de computador desempenham papel central na automação de processos, análise de dados, gestão operacional e criação de produtos e serviços inovadores. Nesse cenário, cresce a relevância da proteção jurídica do software, tanto para assegurar a integridade do investimento tecnológico quanto para prevenir litígios relacionados a autoria, uso indevido e concorrência desleal.
No Brasil, o regime jurídico aplicável ao software é definido pela Lei nº 9.609/1998 (Lei do Software), complementada pelas normas de direitos autorais (Lei nº 9.610/1998) e, em alguns casos, pela Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996). Embora o sistema seja consolidado, persistem dúvidas práticas sobre as melhores estratégias de proteção, o alcance do registro perante o INPI e a intersecção do software com outros mecanismos de tutela da propriedade intelectual.
1. Natureza jurídica do software e sua proteção legal
Nos termos do art. 2º da Lei nº 9.609/98, o regime de proteção à propriedade intelectual do software é o mesmo conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos. A proteção autoral alcança o programa de computador independentemente de registro e surge automaticamente com a sua criação, nos termos do art. 2º, § 3º, da referida lei.
Embora a proteção seja automática, o registro de software perante o INPI possui grande relevância prática. Trata-se de um ato declaratório, mas constitui o meio mais seguro para comprovar autoria, data de criação e conteúdo técnico, elementos fundamentais em disputas judiciais e negociações comerciais.
O depósito feito é realizado mediante apresentação em resumo hash de trechos do código-fonte e de outros dados considerados relevantes para a identificação do programa. Em uma disputa judicial, estas informações criptografadas se tornam provas digitais de grande relevância, pois através delas o judiciário consegue verificar a autoria de um software.
O registro de software caracteriza-se pela sua simplicidade procedimental e confidencialidade, uma vez que os trechos do código-fonte não são divulgados ao público no ato do depósito. Para o requerimento da proteção, são exigidas apenas informações básicas do depositante, do autor e do próprio programa, o que se reflete diretamente na celeridade do procedimento.
2. Atualização e manutenção dos registros
Apesar de o registro não ser obrigatório, sua atualização periódica é uma boa prática amplamente recomendada. Sempre que houver alterações substanciais no código-fonte, ajustes arquiteturais ou lançamento de novas funcionalidades, torna-se aconselhável efetuar novo depósito fazendo menção ao registro da versão anterior.
3. Outras formas de proteção aplicáveis ao software
Um software é fruto do trabalho de profissionais de diferentes formações técnicas. Essa interdisciplinaridade existente em seu desenvolvimento confere uma natureza complexa ao programa. Com isso, embora o software seja protegido pelo regime autoral, diversos aspectos desta criação podem ser protegidos por outros ativos de propriedade intelectual, permitindo uma exploração comercial mais adequada ao titular do programa.
A depender da natureza da inovação, é possível recorrer aos seguintes instrumentos:
a) Patentes (Lei 9.279/96)
A legislação brasileira não permite patentear programa de computador em si, mas admite a patenteabilidade de soluções técnicas implementadas em computador, desde que atendidos os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. A este respeito, para evitar avaliações equivocadas, deve-se ter em mente que a solução desenvolvida deve (i) resolver um problema técnico e (ii) alcançar um efeito técnico para ser considerada passível de patenteamento.
b) Desenho Industrial
Aplicável a conjuntos ornamentais (como interfaces gráficas) quando sua forma visual apresentar novidade, originalidade e puder ser produzida em série de maneira uniforme. Embora ainda haja discussões sobre o alcance dessa proteção no âmbito de softwares, sua utilização tem se ampliado para preservar identidade visual de aplicativos e sistemas.
c) Topografia de Circuito Integrado
Voltada para inovações em hardware, conforme a Lei nº 11.484/2007. Em projetos que envolvem sistemas embarcados, pode ser necessária uma avaliação combinada de software e arquitetura de circuito.
d) Marcas (Lei 9.279/96)
A identificação comercial do software, nome, logotipo, identidade visual, pode e deve ser protegida por meio de registro de marca. O art. 129 da LPI garante ao titular o direito de uso exclusivo do sinal distintivo em todo o território nacional.
4. Contratos: a outra metade da proteção
No ambiente corporativo, grande parte dos litígios envolvendo software decorre não apenas da ausência de registro, mas da insuficiência contratual. Contratos de licenciamento, cessão de direitos, desenvolvimento sob encomenda e parcerias tecnológicas devem definir com clareza: (i) titularidade do código; (ii) limites de uso; (iii) possibilidade de customização; (iv) cláusulas de confidencialidade; (v) penalidades em caso de violação; (vi) propriedade de versões futuras.
5. Considerações finais
A proteção jurídica do software exige uma abordagem integrada: registro, contratos, compliance e estratégia de PI devem caminhar juntos. O valor econômico do software é alto demais para depender apenas da proteção automática da lei.
Empresas que estruturam boas práticas de proteção, incluindo a atualização de registros no INPI, avaliação de patenteabilidade quando aplicável e políticas claras de desenvolvimento e licenciamento, reduzem riscos de litígio, fortalecem seu posicionamento comercial e aumentam a segurança jurídica de seus ativos tecnológicos.
Dessa forma, tem-se fundamental contar com profissionais especializados em Propriedade Intelectual para garantir o melhor aproveitamento das suas tecnologias.
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*Advogado e sócio do Murta Goyanes Advogados. Líder do Comitê de Propriedade Intelectual da ABES. Mestre em Propriedade Intelectual. (victor.lima@murtagoyanes.com.br)
**Mestre em Propriedade Intelectual, e sócio do Murta Goyanes Advogados. (yuri.poyares@murtagoyanes.com.br)





