Por Daniel Luis Notari* e Mayron Dalla Santa de Carvalho**

Sensores IoT e dados georreferenciados ajudam Caxias do Sul a criar políticas públicas mais inteligentes e focadas no bem-estar do cidadão

Imagem: Shutterstock

 

Cidades sempre foram sinônimos de desafios e oportunidades. Com mais de 68% da população mundial vivendo em áreas urbanas até 2050, segundo a ONU, os centros urbanos tornaram-se palco de transformações urgentes relacionadas à sustentabilidade, mobilidade, segurança e qualidade de vida. Nesse contexto, a ideia de cidades inteligentes ganha destaque — mas precisa ir além da digitalização de serviços: precisa colocar o cidadão no centro da equação.

Foi com esse olhar que foi desenvolvido na cidade de Caxias do Sul (RS), um projeto de pesquisa cujo foco foi criar soluções tecnológicas que permitissem coletar e analisar dados ambientais urbanos, integrando essas informações com dados secundários como registros de segurança pública, censos e pesquisas de satisfação dos cidadãos com a vida nas cidades.

A pesquisa resultou no desenvolvimento de dois artefatos tecnológicos interligados: i) Dispositivo IoT – Equipamento acoplado na parte externa de ônibus urbanos (Figura 1), capaz de coletar dados ambientais como temperatura, umidade, luminosidade, ruído e qualidade do ar, georreferenciados a cada 10 segundos; e, ii) Plataformas Digitais com GIS – Sistemas baseados em tecnologia de georreferenciamento capazes de cruzar os dados dos sensores com informações públicas e percepções cidadãs. Isso permitiu análises espaciais dinâmicas, multidimensionais e visuais que exibem em mapas, por exemplo, onde há maior sensação de insegurança combinada a baixos índices de iluminação ou alta poluição sonora e a relação de satisfação com o lazer, densidade demográfica e alto índice de poluição atmosférica.

Figura 1 – Instalação física dos dispositivos nos veículos

 

Durante quatro meses, dois sensores coletaram mais de 2 milhões de registros ambientais. Esses dados foram cruzados com mais de 240 mil registros secundários, gerando uma base de dados para aplicação em planejamento urbano, políticas públicas, operações de mobilidade e análise científica. A Figura 2 mostra uma página do dashboard criado.

Figura 2 – Dashboard com dados ambientais coletados

 

O diferencial inovador deste projeto está no uso da tecnologia com o enfoque da participação dos cidadãos, pois, ao incorporar variáveis subjetivas, como a percepção de segurança e satisfação com o bairro, conseguiu-se demonstrar que a inteligência urbana vai além dos algoritmos — ela depende da escuta ativa e da participação cidadã. Essa abordagem se alinha aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e à norma ISO 37122, que orienta cidades inteligentes e sustentáveis.

Além disso, o uso de técnicas geoespaciais como krigagem possibilitou popular os mapas (Figura 3) e interpolar informações e exibindo áreas críticas da cidade com base em dados reais, de forma a viabilizar a formulação de políticas ações preventivas em saúde, segurança e infraestrutura urbana.

Figura 3 – Dados visualizados em Mapa

 

Apesar dos avanços, os desafios permanecem. Na esfera tecnológica, a necessidade de investimentos em equipamentos e capacitação para a implantação e sustentação dos ambientes tecnológicos inovadores podem significar um obstáculo. Para além da tecnologia, a estrutura de governança do poder público precisa estar instrumentalizada e coordenar esforços para fazer o aproveitamento destes dados para que resultem em melhorias efetivas do tecido urbano. Por isso, propõe-se que projetos de cidades inteligentes integrem desde o início modelos participativos e colaborativos; políticas de governança de dados; e, infraestrutura tecnológica dimensionadas para o contexto local.

Nosso estudo mostra que é possível — e desejável — articular tecnologia, ciência social e políticas públicas em benefício direto da população. Cidades verdadeiramente inteligentes são aquelas onde a tecnologia é um instrumento para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.

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*Pesquisador do Think Tank ABES e do City Living Lab/PPGA – Universidade de Caxias do Sul.

**Pesquisador do Think Tank ABES e do City Living Lab/PPGA – Universidade de Caxias do Sul. As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, os posicionamentos da Associação.

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