Por Marcelo Batista Nery*

É amplamente conhecido que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi oficialmente estabelecido em 29 de maio de 1936, por meio da regulamentação do Instituto Nacional de Estatística (INE). No entanto, sua criação foi instituída pelo Decreto de Lei nº 24.609, em 6 de julho de 1934. Deixando a controvérsia histórica de lado, diante dessa ocasião e da iminente divulgação dos resultados de população e domicílios do Censo Demográfico 2022, é oportuno discutir a importância dos nossos dados no desenvolvimento de políticas públicas em âmbito nacional, e especialmente no campo da Tecnologia da Informação (TI) aplicada a essas políticas.

Mas antes de iniciar essa discussão, torna-se fundamental abordar uma questão crucial: Então, vamos “tirar o elefante da sala”!

É importante lembrar que as entrevistas para a construção do Censo, que deveriam ter sido realizadas em 2020, foram suspensas devido à pandemia de coronavírus. Além disso, o orçamento destinado ao Censo foi drasticamente reduzido, o que precarizou o trabalho do IBGE e comprometeu a realização do recenseamento em 2021. Houve também pouco tempo de treinamento dos recenseadores e atrasos em suas remunerações, o que resultou em desistências e contratempos na coleta de dados, particularmente a rejeição dos entrevistados.

Um dos principais desafios encontrados durante a realização do Censo 2022 foi o alto número de pessoas que se recusaram a responder ao questionário. Essa recusa foi mais comum em bairros com maior renda, mas também foi significativa em áreas onde a população é mais vulnerável. Os sucessivos atrasos, defasagens e problemas na realização do censo comprometeram sua qualidade, inclusive devido à polarização política durante as eleições de 2022. Os recenseadores do IBGE tiveram que lidar com a propagação de notícias falsas sobre o Censo, ameaças e a falta de confiança na ciência (em uma verdadeira infodemia de fake news). Esses problemas restringem a confiabilidade e precisão dos dados, resultando em uma situação de invisibilidade estatística, ou seja, em muitos cidadãos e casas não sendo adequadamente representados nas informações coletadas.

O adiamento do Censo Demográfico no Brasil, originalmente previsto para 2020, tem acarretado uma série de impactos significativos. Uma das consequências diretas desse atraso é a falta de dados atualizados sobre a população brasileira. A ausência de informações recentes dificulta a identificação de necessidades específicas em diferentes regiões, a definição de prioridades e a adequada alocação de recursos. Essas informações são essenciais para embasar políticas públicas relacionadas à saúde, educação, transporte, habitação, segurança e outras áreas que afetam diretamente a qualidade de vida de todos.

Outro impacto relevante é a situação enfrentada por pesquisadores, acadêmicos e instituições que dependem dos dados dos recenseamentos para suas análises e estudos. A falta de informações recentes pode prejudicar a produção de conhecimento científico, a realização de pesquisas, inovações científicas e a formulação de estratégias de desenvolvimento.

Não devemos subestimar o papel dos levantamentos censitários como um importante instrumento para o diagnóstico das conjunturas macrossociais e das desigualdades locais – com as vantagens e desvantagens dos aspectos de amostragem (não pretendo entrar nessa polêmica, embora seja importante tê-la registrado). Os dados demográficos representam informações fundamentais para a compreensão e o planejamento das ações governamentais. A coleta e análise desses dados permitem obter um retrato mais preciso da população, suas características socioeconômicas, distribuição territorial e outros aspectos relevantes. Além disso, essas informações são essenciais para embasar decisões políticas, visando atender às necessidades dos governos, organizações não governamentais, mídia, iniciativas privadas, indivíduos, famílias, escolas e sociedade em geral. Isso nos leva a refletir sobre o potencial da Tecnologia da Informação diante da atual conjuntura.

No presente contexto, a TI desempenha um papel cada vez mais relevante nas ações governamentais: ela permite coletar, armazenar e processar grandes volumes de dados demográficos de maneira ágil e eficiente. Esses dados possibilitam identificar padrões, tendências e desafios específicos em diferentes regiões e períodos, além de viabilizar a criação de soluções tecnológicas inovadoras, como sistemas de informação geográfica e plataformas de análise de dados, que ampliam a capacidade de monitoramento e avaliação das políticas públicas. Assim, a TI está envolvida tanto na tomada de decisões como na identificação de necessidades, de acordo com a oferta de soluções tecnológicas aplicadas às políticas públicas.

Entretanto, a falta de confiabilidade dos dados compromete a capacidade dos sistemas de TI em identificar necessidades específicas das regiões e compreender a realidade e as singularidades vividas pelos grupos sociais. Isso pode levar, na perspectiva dos agentes públicos, à falta de direcionamento adequado das ações governamentais e ao desperdício de recursos. Além disso, do ponto de vista dos usuários, a falta de confiabilidade reduz a credibilidade dos sistemas disponibilizados e a confiança nas instituições responsáveis por esses sistemas.

Diante dessa condição, é essencial buscar soluções científicas e tecnológicas para mitigar ou resolver os principais problemas que afetam os dados do Censo, a fim de evitar lacunas e distorções nos dados do país. Modelos estatísticos, por exemplo, desenvolvidos por meio da ciência de dados em conjunto com o conhecimento das ciências sociais, têm a capacidade de lidar com a variabilidade e a imprecisão dos dados, fornecendo intervalos de confiança, margens de erro e níveis de significância que permitem avaliar as incertezas associadas aos resultados e a propagação dessas incertezas.

A aposta é que soluções como esta possam tornar robustos os subsídios para a previsão de eventos, a análise de risco, o monitoramento e avaliação das ações governamentais, entre outras. Isso é essencial para evitar que as políticas públicas sejam prejudicadas e que o uso da tecnologia da informação seja comprometido.

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Pesquisador no Think Tank da ABES, coordenador de Transferência de Tecnologia e Head do Centro Colaborador da OPAS/OMS (BRA-61) do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.

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