Por Leonardo Melo Lins*

Os avanços atuais dentro do campo da inteligência artificial (IA) apontam para um cenário amplo de aplicações dessas tecnologias no cotidiano das empresas. Discussões em torno da substituição das pessoas pela tecnologia, ainda que abordem pontos importantes sobre o futuro do trabalho, pouco informam sobre o quanto e como a IA está presente nas organizações. Portanto, se faz importante entender o quanto as empresas brasileiras estão preparadas para alavancar sua atuação a partir da IA, bem como o que já se apresenta como soluções correntes no mercado.

Uma fonte de informações importante sobre o uso de tecnologias no setor privado do país é a pesquisa TIC Empresas, conduzida desde 2005 pelo Cetic.br. O objetivo da pesquisa é avaliar o uso e adoção das tecnologias de informação e comunicação pelas empresas brasileiras com mais de 10 funcionários. A pesquisa usa referências internacionais, sobretudo o padrão usado pelo Gabinete de Estatística Europeu (Eurostat), permitindo a comparação do Brasil com algumas das principais economias do mundo.

Em sua mais recente versão, a pesquisa trouxe dados sobre o uso de inteligência artificial pelas empresas. De acordo com os resultados, 13% das empresas brasileiras usaram algum tipo de tecnologia de inteligência artificial. Na comparação internacional, é possível perceber que este uso é muito concentrado entre grandes empresas: no Brasil, 39% das grandes empresas (com mais de 250 pessoas ocupadas) afirmaram usar algum tipo de IA, proporção que foi de 66% na Dinamarca, país europeu de maior proporção de uso. É possível entrever que este uso concentrado nas grandes empresas representa justamente um período de maturação da IA no contexto produtivo, uma vez da maior disponibilidade de recursos nesse tipo de empresa para experimentação e exploração de novas tecnologias.

A pesquisa também investigou os tipos de IA que as empresas adotam. No Brasil, dentre as empresas que usaram algum tipo de IA, a opção mais citada foi a automatização de processos e fluxos de trabalho, apontando por 73% das organizações entrevistadas. Aspectos mais vinculados ao desenvolvimento na fronteira da IA, tais como machine learning, geração de linguagem natural ou reconhecimento de fala, são bem menos presentes nas empresas. Portanto, o uso de IA mais disseminado entre as empresas parece estar mais relacionado com automação de processos rotineiros, por exemplo, chatbots, indicando muito mais a compra de soluções do que de fato uma expertise interna aplicada ao desenvolvimento da IA.  Os resultados da pesquisa TIC Empresas mostram que o uso de IA nas empresas brasileiras é ainda incipiente, sendo em grande medida presente em processos auxiliares que não possuem relação direta com o core business das empresas.

Tendo em vista os desenvolvimentos recentes, é justamente nas aplicações em operações rotineiras que a IA mais avança, delineando um cenário de maior velocidade de disseminação entre as empresas nos próximos anos. Ao facilitar a consecução de processos, a IA pode liberar tempo e recurso para que a empresa busque melhorar sua atividade fim, podendo levar à agregação de valor e ganhos de produtividade. Portanto, observa-se o início da IA tal como uma tecnologia de propósito geral: se antes a IA era restrita à pesquisa acadêmica, ou com poucas aplicações no cotidiano das empresas, agora já é possível enxergar como as mais diversas organizações irão ser impactadas em suas rotinas com a crescente presença da IA apoiando os mais diversos processos.

No entanto, há ainda um longo caminho para percorrer. O historiador Carl Benedickt Frey, no livro “The technology trap”, faz um paralelo entre os impactos econômicos e organizacionais da eletricidade e o momento atual da IA: várias mudanças ocorreram nas cidades e empresas (instalação de postes, alterações estruturais nas plantas industriais) para que houvesse a completa transição para o uso da energia elétrica nos Estados Unidos, algo próximo de 50 anos entre os experimentos de Thomas Edison e a eletrificação completa de fábricas, por exemplo. Ao que tudo indica, parece que com a IA, esse tempo de maturação da tecnologia e sua implantação está encurtando cada vez mais, mas adaptações de infraestrutura de dados e organizacionais ainda estão se formando para que a IA assuma papel central nas empresas.

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*Pesquisador do Think Tank da ABES, membro do Programa de Pós-Doutorado do IEA/USP e Analista do Cetic.br | NIC.br

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